Cascais sempre foi especial. Terra de reis e pescadores, bairros operários e palacetes, de veraneantes elegantes e trabalhadores intrépidos. Nunca a convivência foi perfeita, mas não por somos a caricatura pedante que ouvimos pelo País. Cascais é de facto um local de privilégio como dizem, mas não pelas razões que costumam ser apontadas. Não somos todos milionários com complexos de superioridade, mas somos todos privilegiados por viver onde vivemos. Isso é uma garantia que não nos dá nenhuma conta bancária nem nenhum político. Resulta do nosso extraordinário património natural, do mar e da serra e das tradições das nossas vilas e aldeias que são profundamente marcadas pelo ambiente que as rodeia.
Nesta terra onde se vinha de Lisboa para respirar melhor e tomar banhos de mar, já estavam muitas pessoas que tinham há séculos nos mares o seu trabalho. O caldo cultural único que esse choque produziu permitiu-nos criar oportunidades para todos no desporto, nos negócios, na cultura e em muitas outras áreas. Mas, nos últimos anos, parece que o concelho se esqueceu desta ideia. Ao invés de preservar aquilo que nos define, Cascais transformou-se num palco de crescimento desordenado, com uma lógica de curto prazo que ignora o que realmente importa: a qualidade de vida dos cascaenses.
Infelizmente, Cascais tem à sua frente pessoas que acreditam mais em promover a desigualdade caricatural do que em encorajar a convivência interclassista harmoniosa que caracterizava a terra onde nasci e cresci.
Quando nasci, Cascais era diferente. Havia mais espaços verdes, uma relação verdadeira com o mar, e o comércio tradicional era o coração das vilas. Vi isso a mudar drasticamente, e vi como a política local foi cúmplice dessa transformação. O mandato socialista no final do século ficou marcado pela ideia da construção desregrada – uma crítica justa, feita por muitos. António Capucho chegou com a promessa de travar a deriva. Mas quem lhe sucedeu fez pior do que qualquer um nos anos noventa poderia imaginar.
O que temos hoje? Um território que parece ter perdido o rumo, onde os projetos avançam sem olhar para o interesse comum e o planeamento é uma formalidade que disfarça a arbitrariedade. Onde se abatem centenas de pinheiros mansos para construir moradias de luxo, se transforma uma pista de um aeródromo recreativo num aeroporto que afeta bairros inteiros, onde se constrói em cima do último grande espaço verde em frente ao mar, com previsíveis consequências devastadoras para a praia de Carcavelos, como na Quinta dos Ingleses, ou descaracterizam as nossas comunidades como na Aldeia de Juso. Sem ouvir as populações ou tentar defender os seus interesses.
Os políticos não podem servir apenas para atrair investimento sem critério, não podem garantir aos promotores voto de qualidade no planeamento urbano. Cascais precisa de políticos menos deslumbrados e mais focados na defesa dos seus cidadãos.
Cascais, contudo, não se perdeu apenas no betão. Perdeu-se também no diálogo. A câmara deixou de ouvir os movimentos de cidadãos, tratando qualquer crítica como um ataque e qualquer reivindicação como uma tentativa de desestabilização. O que deveria ser uma relação de proximidade com os munícipes tornou-se uma relação quase feudal. As associações do concelho são afogadas em apoios quando alinham com a Câmara e hostilizadas quando se recusam a alinhar. O caso da Associação SOS Quinta dos Ingleses, mas também dos cidadãos que se juntaram para defender o Parque das Gerações, são um exemplo disso mesmo.
É tempo de a Câmara deixar de responder apenas aos militantes e começar a responder, de forma séria, aos eleitores. Movimentos cívicos, associações e cidadãos têm de voltar a ter voz ativa. Só assim se governa com transparência e em benefício do concelho. Mas isso não é possível num concelho onde há uma força política que acredita que pode ganhar, candidate quem candidatar, faça o que fizer.
O problema não é a ambição. É a ausência de visão. O caminho está a ser o de matar a galinha dos ovos de ouro. De tornar um espaço diferenciado e de excelência num destino genérico e banal. Uma vila que quer ser cidade, elitizada, inacessível e descaracterizada, esventrando o seu património natural para ganho imediato, onde o metro quadrado vale mais do que a qualidade de vida. Isso não é Cascais. Cascais é interclassista – sempre foi. O rugby, que conheço bem pelas minhas origens familiares, é a prova disso. O meu pai jogou no Cascais, onde miúdos dos melhores bairros e das áreas mais desfavorecidas jogavam lado a lado. Esse é o espírito de Cascais: um território onde as diferenças convivem, onde o privilégio de viver aqui nunca foi sinónimo de exclusão.
O que defendo e não vejo o PSD a defender. É um avanço sustentável, não é um regresso ao passado. Cascais pode ter um modelo de desenvolvimento onde o equilíbrio entre o espaço urbano, natureza e comunidade seja a prioridade. Isso implica decisões claras e corajosas:
- Requalificar em vez de expandir. A solução não é mais construção de luxo. É recuperar o que já existe e construir para quem cá vive. Cascais tem edifícios devolutos e degradados que podem ser requalificados para habitação acessível e equipamentos públicos.
- Proteger o ambiente e o mar. É urgente resolver o problema das descargas ilegais e das infraestruturas deficitárias de tratamento de águas, que poluem as nossas ribeiras e as nossas praias. Cascais deve voltar a ser um modelo de relação com o mar – um território que respeita e protege aquilo que o define.
- Melhorar a mobilidade. O trânsito que sufoca Cascais não é inevitável. Uma rede de transportes públicos eficiente, mais ciclovias e mais zonas pedonais são essenciais. O carro não pode continuar a ser a única solução para viver aqui.
- Equilibrar a habitação. A escalada dos preços da habitação tem afastado as famílias da classe média. Proponho programas de habitação a custos controlados, bem como a valorização dos bairros existentes, integrando-os no tecido económico e social do concelho.
- Preservar a identidade local. Revitalizar o comércio tradicional, criando programas que o promovam com critérios claros, é fundamental. Cascais não pode ser uma vila de cadeias impessoais e turismo predatório. O futuro de Cascais está nos seus pequenos negócios, nas suas tradições e na sua relação com a comunidade.
Esta visão para Cascais não é de esquerda nem de direita. É uma visão de bom senso. Cascais não devia precisar de uma subscrição premium. Precisa de ser aquilo que sempre foi: um lugar onde o privilégio de viver aqui é partilhado, onde as diferenças coexistem sem preconceito, e onde a qualidade de vida vem antes de qualquer número ou índice económico descontextualizado.
A minha candidatura nasceria desta vontade: proteger o que é nosso, recuperar o que se perdeu e construir um futuro sustentável e equilibrado. Um futuro onde Cascais respira novamente. Um futuro onde a terra de reis e pescadores volta a ser um lugar para todos. Não tenciono ser da última geração que andou na escola com pessoas das mais diversas origens, nem ser da primeira geração de pessoas que não consegue arranjar uma casa para viver em Cascais. Não estamos no caminho onde devíamos estar. Podíamos fazer muito diferente e muito melhor.
Por acreditar nisso, acho que esta governação arrogante e deslumbrada tem que ser substituída por uma equipa que responda a estas preocupações. Estou a tentar construí-la e conto com todos os que acreditam que perder a nossa qualidade de vida não é um destino, é uma escolha.