Na semana passada, o país assistiu a uma viragem definitiva e absoluta: o PSD deixou de representar os ideais da social-democracia e passou a ser assumidamente um partido radicalizado, que segue uma agenda de extrema-direita por motivos eleitorais. Insistem em disseminar narrativas populistas contra as pessoas mais vulneráveis, com os imigrantes na linha de fogo.

Sobre os imigrantes, já sabemos quais são as três grandes linhas narrativas: eles chegam ao país em grande número (os dados demonstram que isso é falso), eles representam uma grande despesa pública (falso, as enormes contribuições de Segurança Social nunca deixam de ser efetuadas pelos imigrantes mesmo quando a AIMA atrasa os processos de regularização), e diz-se que há uma correlação entre o aumento do número de imigrantes e o aumento da criminalidade, quando os dados existentes já o desmentiram.

Não acredito em coincidências, e é assim que vejo os dois eventos que ocorreram, em simultâneo, na semana passada. A operação policial na Rua do Benformoso – com o alegado objetivo de “combater a perceção de insegurança dos cidadãos”, pessoas da comunidade nepalesa e do Bangladesh foram encostadas à parede e revistadas, sendo alvo de uso desproporcional de meios devido, unicamente, à sua etnia e cor de pele – seguida de um escalar de operações nos últimos dias no centro da cidade.

O golpe de misericórdia, contudo, deu-se não no Martim Moniz mas em plena Assembleia da República, com a aprovação de propostas do CHEGA, PSD e CDS que visam limitar o acesso ao SNS a estrangeiros não-residentes em Portugal, o que levou mais de 800 profissionais de saúde a criticar as restrições discriminatórias e a ameaçar com desobediência civil. São propostas aprovadas sem a divulgação de quaisquer dados sobre o uso indevido do SNS e, portanto, sem qualquer fundamento a não ser o reino das perceções.

Estas novas propostas não asseguram os valores constitucionais em vigor e ainda não é clara a posição que o Presidente da República irá tomar, sendo que deve pronunciar-se em relação a esta viragem governativa.

Não faltam vozes a clamar que uma economia sem migrantes é uma economia que irá sofrer fortes contrações e, como tal, a política de integração e acolhimento deve ter isso em conta. Mas a perspetiva que nos deve guiar deve ser apenas uma: a de garantir direitos humanos fundamentais. Este novo rumo escolhido por Montenegro é perigoso, ferido de legitimidade. Portugal não pode deixar-se representar por estes políticos e por estas políticas de extrema-direita.