Tudo será como dantes, com crescimento anémico no mundo desenvolvido, a inflação entre baias e o preço do dinheiro a descer, mas nada ficará igual, porque 2024 termina com sementes plantadas de guerra comercial, instabilidade política e o risco geopolítico em máximos.
Na Europa, o centro político prevaleceu com enormes exercícios de equilíbrio, mas será forçado, necessariamente, a mudar o curso da navegação para uma agenda mais militar, mais securitária e também mais protecionista. Afinal, o conflito na Ucrânia deixará cicatrizes profundas mesmo que saia do terreno para a diplomacia, o controlo das fronteiras e da imigração está cada vez mais na agenda dos principais países, e o relatório de Mario Draghi deixou a descoberto que é preciso cuidar da competitividade europeia, senão o Velho Continente corre o risco de se tornar irrelevante nas próximas décadas.
As boas notícias: a guerra à inflação estará vencida, e com custos económicos controlados, dando a entender que o pior já passou. Contudo, as incertezas de cariz geopolítico persistem e continuarão a marcar, pelo menos, o primeiro terço de 2025, embora sob novas formas e novas regras do jogo, que poderão gerar uma guerra comercial e trazer ao de cima volatilidade nos principais mercados de risco.
O crescimento com taxas de juro mais baixas é o cenário central…
O crescimento moderado deverá prevalecer durante o próximo ano, o que conjugado com uma expectativa de taxas mais reduzidas – uma vez que o braço de ferro dos principais bancos centrais com a inflação parece definitivamente ultrapassado – constrói um suporte bastante credível para os investidores, de que 2025 e 2026 serão anos de uma transição suave e suportada em crescimento sustentável.
No Velho Continente, com o regresso da inflação a valores próximos de 2%, o enquadramento pode permitir ao Banco Central Europeu prosseguir com mais decisões de cortes nas taxas. O ano de 2025 pode, neste sentido, ficar marcado pelo início da convergência das taxas de crescimento entre os Estados Unidos e a zona euro, mas por trajetórias de inflação divergentes e por uma dissociação das políticas monetárias.
No entanto, a possibilidade de uma espécie de renascimento europeu e a potencial introdução de medidas mais ousadas para enfrentar os desafios estruturais do Velho Continente estão entre alguns dos fatores que podem mudar positivamente este cenário. Assente nesta perspetiva está o relevante relatório de Mario Draghi, que trouxe ao de cima a importância de debelar a desvantagem competitiva europeia que começa a ser estrutural.
… alinhamento dos fundamentos macro com inovação é benéfica para os lucros das empresas
A economia global desafiou as e superou as expectativas mais conservadoras nos últimos anos. Apesar das previsões mais negativas, a verdade é que acabou por imperar sempre o cenário de crescimento económico, ao qual também não foi alheio um dos maiores ciclos de inovação de que há memória nas últimas décadas. A economia mundial tornou-se mais resiliente, as empresas são mais eficazes e conseguiram resistir a um dos maiores ciclos sincronizados de aumento das taxas de juros levada a cabo pelos bancos centrais globais em décadas. No final do dia, o crescimento perdurou. Os lucros empresariais nos Estados Unidos atingiram recentemente novos máximos, com os lucros noutros locais a aproximarem-se do seu pico anterior.
Considerando o atual ritmo da inovação (a implantação da inteligência artificial pode trazer benefícios crescentes para indústrias além da tecnologia), os ganhos de produtividade e o aumento da procura por parte do consumidor a nível global, não existem grandes razões para, nesta altura, que esta resiliência não tenha capacidade para continuar a evoluir num cenário do que poderíamos chamar de recuperação contínua.
Acresce que a agenda económica de Donald Trump passa por estimular as componentes fiscais, ao mesmo tempo que diminui a carga regulatória sobre os sectores empresariais – incluindo o sector financeiro – o que pode representar um fator determinante para alimentar as expectativas dos investidores relativamente ao comportamentos dos ativos de risco, como é o caso das ações – o consenso dos analistas aponta para que os lucros das principais empresas cotadas nos Estados Unidos cresçam entre 10% a 15% no próximo ano.
A geopolítica pode ser o fator de risco discordante com os fatores fundamentais favoráveis
O desenlace das eleições norte-americanas deverá trazer um conjunto de alterações às tradicionais regras de funcionamento da economia e do comércio internacional. Sabemos bem que, muitas vezes, comércio e narrativa política operam de forma diferente, mas, na verdade, o aviso estava feito desde há muito tempo e parece que desta feita o protecionismo veio para ficar, estimando-se que tenha um impacto relevante na forma como o mundo se vai relacionar na próxima década.
A verdade é que os Estados Unidos irão influenciar a agenda do comércio internacional, e todos os grandes blocos irão necessitar de se adaptar, e serão desafiados a adaptar estratégias às novas regras do jogo, que os Estados Unidos tentarão impor numa segunda administração Trump.
As novas regas podem impactar a China e afetar a relação transatlântica
Para os investidores, esta poderá ser a pedra no sapato. Uma nova guerra comercial à escala global pode influenciar decisões e trazer ao de cima incertezas sobre harmonia do crescimento. A principal cortina de ferro comercial é com a China e poderá acelerar nos próximos anos. Durante o primeiro mandato de Trump, os produtos chineses enfrentaram tarifas que chegaram a 25%, mas novos patamares poderão ser atingidos. Um quadro de tarifas que ascendam a 60% sobre as importações chinesas, combinadas juntamente com mais controlo sobre tecnologia, tem potencial para reduzir de forma muito significativa o comércio entre as duas grandes potências económicas mundiais.
As novas regras podem, no entanto, afetar também a relação com a União Europeia, sobretudo se forem impostas tarifas de entre 10% a 20% sobre todas as importações. De acordo com números de alguns analistas, como o banco Goldman Sachs, as novas regras podem ter um impacto negativo de 1,1% no produto interno bruto (PIB) real em todo o continente europeu, o que expõe a olho nu que o eixo transatlântico perdeu a relevância que teve nas últimas décadas – e isso é sem dúvida uma mudança estrutural geopolítica no novo modelo de jogo global, ao qual a União Europeia terá de encontrar forma rápida de se adaptar.
Bottoms’ up: os eventos geopolíticos dificilmente afetam os fundamentais
Os riscos geopolíticos podem, efetivamente, ter um papel a desempenhar na construção das expectativas ou nos cuidados a ter com investimentos em 2025. Isto porque as cicatrizes relativamente à pandemia ainda persistem, e porque o combate à inflação também não foi feito sem danos colaterais, o que limitou bastante a capacidade de resposta dos governos.
Mas a história mostra, igualmente, que grande parte da subida dos ativos de risco em 2024 ocorreu no meio de grandes tensões geopolíticas, incluindo conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia. Tais eventos não foram capazes de alterar a transição económica, assente em mais tecnologia e mais eficiência operacional das empresas. Nesse aspeto, apesar da alteração potencial das tradicionais regras do jogo comercial, ou da aguardada manutenção das tensões geopolíticas assentes numa nova cortina de ferro, a realidade histórica aponta para que prevaleça a força dos bancos centrais e imperem os fatores fundamentais de crescimento económico e, consequentemente, das empresas. No final do dia, no alinhamento final, em 2025, poderá fazer mais sentido ser parte do crescimento, através das classes de risco, do que qualquer outra das alternativas.