Assistimos, em 2024, a acontecimentos mundiais que irão marcar os próximos anos. Poderia ser mais um balanço do ano, daqueles que periodicamente se repetem. Mas a magnitude do que aconteceu, a relevância dos vários eventos, alguns iniciados antes, embora com desenvolvimentos decisivos em 2024, obrigam-nos a (re)pensar o futuro à luz desta realidade. Escolhi os seguintes cinco acontecimentos como os mais relevantes no ano de 2024:

1. A invasão da Ucrânia

O ano de 2024 trouxe novos desenvolvimentos significativos no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mantendo-se como um dos maiores desafios geopolíticos do nosso tempo. As negociações de paz, embora tentadas em várias frentes, continuaram a enfrentar barreiras intransponíveis, enquanto a situação humanitária nas regiões afetadas piorou ainda mais.

No início do ano, a escalada militar intensificou-se, com ambas as partes a reforçarem as suas posições no leste da Ucrânia. As tropas russas expandiram operações ofensivas na região de Donetsk, enquanto as forças ucranianas, com apoio ocidental, responderam com contraofensivas estrategicamente planeadas. A utilização de tecnologias militares avançadas, incluindo drones e sistemas de artilharia guiada, marcou esta fase do conflito, resultando em pesadas baixas de ambos os lados.

No plano humanitário, 2024 foi um ano devastador. Milhões de civis continuaram deslocados, enfrentando condições precárias em campos de refugiados na Ucrânia e em países vizinhos. As infraestruturas críticas, incluindo hospitais, escolas e sistemas energéticos, foram gravemente danificadas pelos bombardeamentos incessantes. Organizações humanitárias enfrentaram dificuldades significativas para entregar ajuda, com bloqueios e riscos constantes para o pessoal em campo.

Manteve-se o mandado de captura internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra relativos à deportação de crianças Ucranianas do Donbass para a Rússia para serem educadas como Russas bem como as decisões do Tribunal Internacional de Justiça que declararam a invasão ilegal, à luz do Direito Internacional, e determinaram a retirada das tropas russas do terreno. Apesar de ambas as decisões permanecerem por cumprir, vieram dar uma enorme legitimidade ao apoio internacional à Ucrânia bem como limitar de forma drástica os movimentos de Vladimir Putin e a sua capacidade de intervenção à escala global.

2. O conflito israelo-palestiniano

Em 2024, o conflito em Gaza intensificou-se num cenário de crescentes tensões regionais, com incidentes significativos envolvendo também o Hezbollah no Líbano. A violência em Gaza continuou a causar milhares de vítimas civis e a destruir grande parte da infraestrutura já fragilizada, enquanto os confrontos com o Hezbollah abriram um novo frente que complicou ainda mais a situação no Médio Oriente.

A escalada de tensões na fronteira norte de Israel, com o Hezbollah a intensificar ataques com mísseis e incursões, levou a um agravamento do conflito. Israel respondeu com bombardeamentos aéreos e de artilharia contra alvos no sul do Líbano, atingindo instalações e infraestruturas associadas ao Hezbollah. Os confrontos na fronteira aumentaram o risco de um conflito regional, com o Hezbollah a demonstrar uma capacidade militar significativa e uma retórica de solidariedade para com Gaza.

Os esforços diplomáticos para conter as hostilidades em Gaza e na fronteira norte tiveram resultados limitados. Mediações promovidas pelo Egito, Qatar e pela ONU conseguiram estabelecer cessar-fogos temporários, mas a sua frágil implementação foi frequentemente interrompida por novas ações militares.

Entretanto foram emitidos mandados de captura internacionais pelo Tribunal Penal Internacional contra os principais responsáveis de Israel e contra os operacionais do Hamas. No plano do Tribunal Internacional de Justiça, continua o processo movido pela África do Sul contra Israel, com fundamento na alegada violação da Convenção contra o Genocídio. O Tribunal determinou a cessão dos bombardeamentos na região de Rafah, no sul de Gaza.

3. A eleição de Donald Trump

Quem acompanhou de perto a política americana ao longo do último ano não pode ter ficado surpreendido com a vitória de Donald Trump. Os sinais eram claros e persistentes, apesar de uma alteração inesperada de candidato do partido democrata a escassos meses da eleição.

Trump obteve 312 votos no Colégio Eleitoral, superando os 270 necessários para a vitória, enquanto Harris alcançou 226 votos. No voto popular, Trump recebeu aproximadamente 77,3 milhões de votos (49,8%), e Harris cerca de 75 milhões (48,4%).

A vitória de Trump foi consolidada por triunfos em estados-chave, incluindo Pensilvânia, Carolina do Norte, Wisconsin, Geórgia e Michigan, que desempenharam papéis cruciais na definição do resultado eleitoral.

Além disso, o Partido Republicano assegurou o controlo do Senado e manteve a maioria na Câmara dos Representantes, garantindo domínio sobre o Congresso.

A campanha foi caracterizada por uma polarização intensa, refletindo divisões profundas no eleitorado americano. A participação dos eleitores foi significativa, com uma taxa de 63,9%.

4. A queda do regime de Bashar al-Assad

O regime autoritário de Bashar al-Assad, no poder na Síria desde 2000, caiu, gerando manifestações de alívio. No entanto, a comunidade internacional enfrenta o desafio de transformar a Síria num país livre, seguro e democrático, evitando que se torne um Estado falhado, como aconteceu na Líbia ou no Afeganistão.

Assad foi acusado de crimes contra a humanidade, como o uso de armas químicas e tortura. A guerra deixou mais de 500 mil mortos e milhões de deslocados, destruindo grande parte da infraestrutura síria. Apesar das condenações, Assad manteve-se no poder graças ao apoio de aliados como Rússia e Irão, com a intervenção militar russa em 2015 a ser decisiva, sendo estes também derrotados indiretos na queda do regime. O conflito gerou uma tragédia humanitária com mais de 6,8 milhões de refugiados no exterior e outros 6,9 milhões deslocados internamente.

O retorno recente de refugiados à Síria levanta preocupações sobre a segurança no país, ainda devastado pela guerra e sob repressão contínua. É essencial garantir que o regresso seja voluntário, digno e seguro, respeitando o princípio de “non-refoulement”, que proíbe a devolução de pessoas a locais onde possam ser perseguidas. A reconstrução da Síria exige não apenas esforços físicos, mas uma transformação política que assegure direitos e segurança aos cidadãos. A comunidade internacional deve agir coordenadamente para evitar uma nova crise humanitária e assegurar um futuro sustentável para a Síria e os seus cidadãos.

5. As alterações na NATO

Em 2024, a NATO atravessou um período de transformações significativas, motivadas pela evolução do panorama geopolítico e pelos desafios emergentes em segurança. Entre as principais alterações destacaram-se a ampliação da aliança, a modernização tecnológica e a revisão das estratégias de defesa coletiva e cooperação internacional.

Uma das mudanças mais marcantes foi a adesão de novos Estados-membros. A inclusão de países como a Suécia, após longos períodos de negociações e ajustes políticos, reafirmou o compromisso da NATO em fortalecer a unidade e a segurança da região euro-atlântica. Esta expansão gerou reações internacionais, nomeadamente por parte da Rússia e de outros atores globais, que manifestaram preocupações sobre o impacto no equilíbrio de poder. Em resposta, a NATO reiterou que a sua abordagem continua a ser de carácter defensivo, focada na promoção da estabilidade e na proteção dos Estados-membros.

A NATO também atualizou as suas estratégias de dissuasão, com um foco particular no flanco leste. A implementação de forças rotativas e o aumento da presença militar nos países bálticos e na Polónia constituíram uma resposta direta às preocupações de segurança na região.