Ultimamente, dou por mim a pensar muito na obra de Ray Bradbury, “Fahrenheit 451”. Escrita na década de 50, descrevia uma sociedade distópica, na qual a população estava presa a enormes televisores que afastavam deliberadamente as pessoas da literatura e do conhecimento. Pode ser a alegoria perfeita para descrever a influência e o vício que as redes sociais criaram nos últimos vinte anos, alterando permanentemente a forma como nos relacionamos e obtemos informação.
Ao longo do caminho, fomos absorvidos pela dopamina dos likes e distraímo-nos em relação a questões essenciais de privacidade e segurança. Questões que já são públicas desde 2016, quando rebentou o escândalo da Cambridge Analytica. Desde então, trilhámos um percurso complicado, no qual uma máquina de propaganda organizada, aliada a movimentos ideológicos de extrema-direita, conseguiu subverter as redes sociais a seu favor, ao ponto de influenciar eleições e atacar estados democráticos.
Hoje, enfrentamos a questão de ainda estarmos presos a redes sociais, como o X, Facebook e Instagram, cujos donos têm o intuito – e não o escondem – de atacar o Estado de Direito.
Elon Musk está a incentivar a ascensão de partidos da extrema-direita em vários países, não se poupando a esforços. Zuckerberg acaba de anunciar que as redes Meta vão deixar de fazer verificação de factos. “Este é o tempo de voltar às nossas raízes em torno da liberdade de expressão”, argumentou o dono do Facebook. Uma liberdade de expressão que só é conveniente em certas situações, uma vez que Jeff Bezos acaba de censurar um cartoon no “Washington Post”, em que ele e outros bilionários estão prostrados perante Donald Trump.
Desde a segunda vitória de Trump, a questão tem sido a mesma em todo o lado: até que ponto podemos continuar a ignorar que somos nós que alimentamos a máquina dos bilionários e oligarcas, sabendo que a sofisticação da inteligência artificial irá exponenciar ainda mais a desinformação?
Ao longo da última década, criámos redes de contactos profissionais e pessoais. Agora, confrontamo-nos com a imensa frustração de vermos uma parte importante desses esforços nas mãos de empresas com objetivos que não conseguimos controlar. Mas que sentido faz denunciarmos as suas ações em redes sociais controladas pelos próprios alvos da denúncia?
É tempo de romper com o passado, aceitar o que está perdido, reorganizar esforços, procurar locais seguros e contra-atacar o golpe contra as democracias.