Em política, nem tudo o que parece é. Ninguém é dono dos eleitores e apesar de sondagens, perceções ou condicionantes, em ano de várias eleições não há vitórias previamente adquiridas, nem razões para descrer. Assim fosse, não haveria eleições e desistíamos da democracia.
Apesar de comentadores que não querem arriscar palpites que se venham a revelar falhas clamorosas e para lá de ventos e tendências que contrariam o mainstream europeu, ao momento político português falta uma avaliação fundamental, a que será feita pelos protagonistas – os eleitores, destinatários das políticas e das propostas dos partidos.
O Governo dá sinais de estranha apatia e estrondoso cansaço. Não se sente uma motivação nem um sinal de vitória, antes uma falta de alegria e de entusiasmo que surpreende e preocupa os socialistas mais empedernidos. A começar no líder do partido e primeiro-ministro António Costa, que consegue transformar uma remodelação governamental num ato quase místico de alívio e tristeza. Alegria para os membros do Governo que dele se despedem e tristeza para os que dele não se descartam.
A esquerda em geral anda triste. O BE porque balança entre uma herança de contestação ideológica e um desejo crescente e mórbido de chegar ao governo. O PCP porque já não dominando a contestação nas empresas e na rua, perdeu ainda a forma de canalizar nas urnas a insatisfação com o poder socialista. Ambos porque alinharam na viabilização do Governo sem ter tido acesso ao poder direto, no uso da estranha fórmula pouco estimulante de afastar a anterior maioria do poder.
Os restantes atores do sistema político preparam-se com ideias e propostas e principalmente ambição para dar rumo ao país. Entre encontros, reuniões e visitas, o discurso político adensa-se e refresca-se para iniciar um combate que provoca debate, lança luz e nos transporta para o surgimento de oportunidades para além do quotidiano.
A falta de discurso e renovação à esquerda é gritante, embora em simultâneo seja preocupante. É aqui que se percebe a falência do modelo de esquerda pela Europa fora, de Espanha à Grécia, de leste a norte. Apesar das ameaças de extremismos e nacionalismos, o que caracteriza a esquerda europeia é um sentimento de passadismo e de profundo amorfismo.
Os próximos atos eleitorais vão premiar a inovação nas propostas e nas estratégias. Uma dose de risco e de rompimento com o sistema e o poder instalado, politicamente correto. O combate ao cinzentismo, à solidariedade balofa e ao discurso serôdio vai exigir criatividade, credibilidade e vontade de mudar, a sério. Os partidos deveriam criar novas Silicon Valley de ideias que provoquem adesão e crença nos seus projetos e criações. Criar o desejo de fazer parte de uma nova vaga de ideias e de projetar futuro. Buscar a adesão em novidades e ambiciosas realizações que proporcionem grandiosidade.
Por mais que se reinventem, os partidos regressam sempre ao certo e seguro discurso para contar com os seus eleitores tradicionais. Mas não se esforçam para chegar mais longe, recuperar velhos apoiantes e alcançar novos aderentes, para os fazer participar interessadamente em soluções que os façam sonhar. Porque ao longo dos anos é o sonho que nos faz sentir e nele buscar a felicidade.
Os próximos meses representam um definitivo teste à democracia e à sua capacidade de reinventar-se e se tal não for alcançado, outros a irão reinventar com soluções do passado, travestidas de modernidade e futuro.