No país do medo, o mais prudente – para quem, na administração pública, tem a responsabilidade de decidir –, é, na verdade, não decidir nada, arrastar os pés, ou então recusar, dizer que não, embrulhando tudo com regras e regrazinhas a que os juristas chamam de “conceitos jurídicos indeterminados” – mas que traduzem apenas discricionariedade.

A série britânica “Sim, senhor primeiro-ministro”, em que a administração pública invariavelmente boicotava as decisões executivas do governo, acontece desde sempre em Portugal e nenhum líder político teve a capacidade para vencer este embate. Há anos que o deep state – o Estado profundo, como lhe chama Trump – ganha o duelo pelo simples cansaço do adversário, a que se junta a rotatividade dos decisores políticos, incapazes de acabar o que começaram. Os governos e os ministros entram e saem, querem todos mais crescimento económico, impera o voluntarismo, mas a herança costuma ser azeda: a interpretação das leis e dos regulamentos volta à estaca zero e os investimentos das empresas e das associações ficam em maus lençóis.

A situação calamitosa das famosas agendas mobilizadoras que compõe o PRR – que deveria ser executado até ao final desde ano –, é apenas mais um exemplo desta teia viscosa. A nossa manchete de hoje é muito instrutiva sobre o pântano lusitano: as entidades públicas mudam de opinião como as cobras mudam de pele, envenenam os processos, deixando como legado um lastro assustador de projetos não concretizados, apesar dos maravilhosos anúncios ministeriais. Será espantoso se o PRR servir para dinamizar mais a economia espanhola do que a portuguesa. Assim acontece no reino da suspeição atávica.