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Alternativa aos CMEC era o Estado pagar à EDP pela quebra dos CAE mais de 10 mil milhões

“Não substituir os CAE teria tido um custo mais elevado. Poderia ter sido diferente? Poderia. Mas o Estado teria de pagar, em 2004, mais de 10 mil milhões de euros se não tivesse substituído os CAE”. Este valor é calculado tendo em conta os “lucros cessantes dos CAE e o valor residual das centrais”.
26 Fevereiro 2019, 16h42

O custo de não criar os CMEC para compensar a quebra do equilíbrio contratual previsto nos CAE  é era de mais de 10 mil milhões de euros, disse o CEO da EDP.  “Poderia ter sido diferente? Poderia. Mas o Estado teria de pagar, em 2004, mais de 10 mil milhões de euros se não tivesse substituído os CAE, pela abertura dos contratos ao risco de mercado”.

Em 2004, os CAE viraram CMEC, e nessa altura “já íamos na 5º fase de privatização”, disse António Mexia.  A quinta fase na privatização da empresa, foi realizada em finais de 2004, foi aprovada pelo Decreto-Lei nº 218-A/2004, de 25 de Outubro.

O mecanismo dos CMEC tinha como objetivo assegurar a neutralidade financeira face às rendas que eram pagas no âmbito dos CAE e, segundo tem defendido a EDP, esse objetivo foi conseguido.

Tudo porque em 2004 dá-se a criação do mercado ibérico de eletricidade e liberalização do setor da eletricidade. Isto significou que o contrato de venda exclusiva da electricidade produzida à REN (CAE) tinha de ser quebrado, mas como a duração desses contratos era muito longa (décadas) os produtores tiveram de ser compensados.

“A decisão respeitou os direitos dos acionistas, o Estado incluído, mantendo a neutralidade financeira”, afirmou António Mexia na Comissão Parlamentar de Inquérito às rendas excessivas.

Mexia lembra que se esta transição dos CAE para os CMEC não tivesse sido feita, a EDP teria direito a receber 1,6 mil milhões de euros, equivalentes ao valor residual dos ativos das centrais quando terminasse o contrato.

Em 2007, ano em que os CMEC acabaram por entrar em vigor. Segundo Mexia, quando os CMEC entraram em vigor, a alternativa a cancelar esse regime compensatório custaria cerca de 9 mil milhões de euros, entre as indemnizações por lucros cessantes e o valor residual do ativo que a empresa tinha nas concessões do domínio hídrico (1.350 milhões de euros).

Mais uma vez, disse, “poderia ter sido diferente? Poderia. Mas o Estado teria de pagar, em 2007, mais de 9 mil milhões de euros à EDP, entre lucros cessantes de CAE e o valor residual das centrais”, disse o CEO da EDP.

Em 2007 o regime CMEC entrou em vigor, com uma atualização do preço de referência da eletricidade de 36 para 50 euros por megawatt hora (MWh). Essa atualização fez com que a remuneração anual permitida à empresa fosse superior, e em contrapartida a compensação inicial devida à empresa seria menor, daí os 9 mil milhões em vez dos 10 mil milhões em 2004.

“Os CAE foram bem fixados em 1995 e, a partir daí, fixou-se uma renda. Fixou-se e vendeu-se essa renda no processo de privatização. As rendas foram definidas num contexto”, afirmou António Mexia.

“Se alguém considerar que há rendas excessivas, estamos completamente disponíveis para devolver todo o dinheiro pago. Isso mostra o à vontade que temos sobre este assunto”, ironiza. “Tal como estaríamos disponíveis para fazer as contas com CAE em vez de CMEC. Já. Já. Só quero os CAE. Onde é que eu assino?”, disse o presidente da EDP.

António Mexia levou ainda ao Parlamento um estudo encomendado à Nova School of Business and Economics que concluiu que a empresa perdeu 200 milhões de euros com a passagem dos CAE para os CMEC. A análise foi assinada pelos professores Miguel Ferreira e Fernando Anjos, professores de Finanças da Nova.

De que fala António Mexia?

Antes do mercado ibérico e da liberalização do setor da eletricidade, quase todas as centrais elétricas portuguesas estavam protegidas por CAE (contratos de aquisição de energia). Estes contratos asseguravam condições de remuneração de longo prazo aos produtores que foram negociadas previamente com os sindicatos bancários que financiaram a construção destas unidades nos anos 1990. Para haver mercado de eletricidade, era preciso que a energia produzida pelas centrais fosse vendida fora destes contratos. Daí a necessidade de transformar os CAE em CMEC (custos de manutenção de equilíbrio contratual).

Os CAE são Contratos de Aquisição de Energia assinados entre os produtores e a Rede Eléctrica Nacional (REN), que à data da criação desses contratos era uma empresa totalmente pública.  Como se sabe a REN opera a Rede Nacional de Transporte (RNT) que liga os produtores aos centros de consumo assegurando o equilíbrio entre a procura e a oferta de energia elétrica.

Os CAE foram criados em 1993-1995 para as centrais privadas pelo ministro Indústria e da Energia da altura Luís Mira Amaral (Governo de Cavaco Silva), e na prática o que eram? Os produtores privados de eletricidade (ex-Tejo Energia) assinaram nessa altura um contrato com a REN em que esta (Estado) comprava eletricidade a muito longo prazo (décadas) que depois distribuía. Isto é, assegurava a compra da eletricidade aos produtores. Estes contratos asseguravam condições de remuneração de longo prazo aos produtores.

Em 1996, já com o Governo de António Guterres, a EDP (então totalmente do Estado, uma vez que a primeira fase de privatização é só em 1997) assina também CAE de longo prazo com a REN. Os CAE para as centrais da EDP só existem assim a partir de 1996.

A partir de 2007 são criadas umas compensações para a EDP, que se chamaram custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Porquê? Porque em 2004 dá-se a criação do mercado ibérico de eletricidade e liberalização do setor da eletricidade. Isto significou que o contrato de venda exclusiva da electricidade produzida à REN (CAE) tinha de ser quebrado, mas como a duração desses contratos era muito longa (décadas) os produtores tiveram de ser compensados. Isto se as condições de remuneração de longo prazo em mercado aberto (se as receitas da venda de eletricidade em mercado aberto ao longo dos mesmos anos) fossem deficitárias face às condições de remuneração de longo prazo aos produtores que estavam subjacentes nos CAE assinados coma REN. Como se calcula essa perda para a produtora EDP? Isso é feito através de um cálculo do Valor Atual Líquido (valor actual líquido das receitas futuras previstas). Esse VAL dava um défice para os produtores face ao valor de remuneração acordado quando apenas vendia a eletricidade à REN, sobretudo tendo em conta que os produtores (EDP) investiram em centrais de produção de eletricidade a contar com o que contrataram vender à REN ao longo de décadas e que agora com o MIBEL ia ser quebrado. Foi por isso que foram criados os CMEC, para compensar os produtores desse “desequilibro contratual” face ao contrato com a REN rompido antes do seu término.

O que podia ser feito em vez dos CMEC?

Em Espanha o Estado endividou-se (dívida pública é mais barata do que dívida privada, ou que o custo de capital privado) e pagou tudo (as compensações pelo desequilibro contratual) aos produtores de uma só vez, ficando os contribuintes a pagar essa fatura nas contas públicas. Portugal, que sempre esteve excessivamente endividado, não conseguiu fazer isso.

Em alternativa a EDP podia ter securitizado essa dívida  (o que o Estado lhe devia por ter rompido o contrato), mas não quis. Portanto a alternativa encontrada foi esta dos acionistas financiarem, com empréstimo essa compensação o que implicou um  custo médio ponderado do capital (WACC) mais alto. Mira Amaral veio dizer depois que “os CMEC aparecem com uma rendibilidade claramente excessiva face ao WACC – Custos de financiamento dos Capitais Alheios”.

A EDP paga essa dívida aos acionistas cobrando os CMEC aos consumidores na fatura da luz.

Sobre a extensão do domínio hídrico

Um dos temas em que os deputados, na Comissão Parlamentar de Inquérito às Rendas Excessivas, mais têm insistido ao longo das sessões é a extensão das licenças de produção de eletricidade nas barragens da EDP, e do complementar domínio público hídrico.

António Mexia falou sobre essa extensão do domínio hídrico, decisão tomada pelo Governo de José Sócrates, em 2007, que veio estender em cerca de 25 anos os 27 contratos de concessões hidroelétricas a favor da EDP, sem concurso público, definindo ainda o valor pago pela empresa de eletricidade (759 milhões de euros).

O CEO da EDP argumenta que o Estado “exigiu uma compensação adicional à EDP” para prolongar este domínio hídrico, em relação ao que estava definido desde 2004. E, para além de ter “prescindido do recebimento do valor residual de 1.356 milhões de euros”, a EDP pagou os tais 759 milhões de euros, não previstos em 2004, quando o domínio hídrico ficou definido. Ou seja, Mexia diz que a empresa pagou 2.115 milhões de euros por esta extensão, incluindo mais 759 milhões do que estava previsto em 2004 e que resultou da atualização do preço de referência para as compensações.

“Foi o Estado que definiu os valores adicionais que a EDP iria pagar, sem nenhuma interferência, de acordo com avaliações de duas entidades financeiras independentes, a Caixa BI e a Crédit Suisse”, diz Mexia.

“A EDP, em 2007, pagou mais pela extensão do domínio hídrico do que estava definido antes de 2007. Esta é uma verdade indiscutível”, salienta.

“Caso o Estado tivesse optado pela realização de concursos para a exploração do domínio hídrico, teria um custo muito elevado para o Orçamento do Estado ou para os consumidores”, para além de passar a receber uma “receita incerta”. “A realização do concurso poderia não ser do interesse nacional”, referiu.

A questão prende-se com a atividade de produção de electricidade. Com o fim do CAE foi preciso fazer novos contratos para as várias barragens. Desde o tempo dos CAE  (1996) que a EDP contratou com a REN a produção de eletricidade nas barragens (a EDP tinha a barragem e as turbinas), mas para produzir a electricidade precisava que o Estado lhe desse a concessão do uso da água  (sem água as barragens não servem para nada). Portanto os contratos CAE assinados entre a EDP e a REN, tinham a concessão domínio público hídrico  (autorização para usar água que é do Estado) durante a duração dos CAEs. Os CAE já previam que o Estado pudesse prolongar estas licenças à EDP para além do limite previsto nesses contratos.

O que faz sentido é que os prazos da licença de produção de electricidade e os prazos de concessão do domínio público hídrico coincidam, uma vez que estão intimamente relacionados.

Os CMEC, criados pelo decreto-lei 240/2004, previam que o Estado pudesse prolongar quer a licença de produção de electricidade, quer a concessão dos recursos hídricos, e que a EDP pudesse manifestar interesse nesse prolongamento.

Para as produtoras que decidissem passar a vender a electricidade directamente ao mercado deixando de vender à REN, como foi o caso da EDP, foi preciso assinar novos contratos com a Rede Eléctrica Nacional em substituição dos contratos anteriores – os CAEs – em particular para as várias barragens.

Manuel Pinho decide prolongar a concessão à EDP do domínio público hídrico

Quando chegou o Governo de José Sócrates, o seu ministro da Economia, Manuel Pinho, prolongou o prazo das licenças atribuídas à EDP de produção de eletricidade e a concessão do uso da água. Assim terá retirado um elemento de incerteza à EDP que pudesse prejudicar o seu valor numa próxima fase de privatização, tendo antecipado em mais de 10 anos um encaixe para os cofres do Estado. Esse prolongamento funcionou como uma antecipação de receitas.

Apesar da Comissão Europeia ter validado de forma clara o valor negociado entre o Estado e a EDP pela extensão do Domínio Público Hídrico, afirmando que tinha sido justo para ambas as partes, o que está em causa é que agora se critica essa extensão do prazo, sem que tivesse havido concurso público, em nome de um eventual maior encaixe para o Estado.

Mexia falou ainda aos deputados de João Conceição, ex-assessor de Manuel Pinho, que transitou da assessoria do Governo para o BCP através da recomendação da EDP. António Mexia confirmou, dizendo “como esse, terei mandado muitos currículos”, na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, referindo-se ao e-mail no qual faz a recomendação de João Conceição ao BCP. “Não me custa enviar o currículo de alguém”, acrescenta.

Sobre o défice tarifário

“Dois mitos adicionais” diz António Mexia, referindo-se ao facto de a EDP “beneficiar” com o défice tarifário e à afirmação de que não há concorrência no setor da eletricidade. “O negócio da EDP não é ter défice tarifário”, que “resulta de escolhas políticas iniciadas na década de 1960, tendo o seu financiamento sido imposto à EDP”, refere.

O CEO da EDP explica que, desde 2006, o Estado recebeu das empresas do setor elétrico, por via dos consumidores da eletricidade, através da taxa audiovisual, “mais do que suficiente para eliminar o défice tarifário”.

Já sobre a falta de concorrência, António Mexia diz que o mercado de produção tem uma dimensão ibérica e que o mercado livre, onde estão mais de 80% dos clientes e que representa mais de 90% do consumo, conta com mais de 25 operadores.

EDP continua a ser o abono de família para o Estado

A EDP foi e continua a ser um “abono de família para o Estado”, disse a certa altura o CEO da EDP.

O presidente executivo diz que é fácil impor custos ao sistema. Há uma desorçamentação imposta ao setor elétrico. Mexia diz que as medidas recentes decididas pelo Governo retiraram metade do valor da empresa em Portugal, cerca de dois mil milhões de euros.

O gestor recordou a receita gerada ao longo das sete fases de privatização da EDP e que foi de 15 mil milhões de euros. “Mesmo que por absurdo tivesse havido renda excessiva esta estaria incorporada no valor da empresa e teria sido apropriada pelo Estado ao longo da privatização”.

“Não há rendas excessivas, a única coisa que é excessiva é a demagogia e a desinformação”, frisou o presidente da eléctrica também na sua apresentação inicial aos deputados.

“A EDP é das empresas que mais investe e mais paga impostos em Portugal”, foi outro statement do CEO.

António Mexia lidera a EDP desde 2006, tendo sido reconduzido para um quinto mandato em abril de 2018.

(atualizada)

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