As primeiras semanas do segundo mandato de Donald Trump demonstram que o Mundo está diferente. Não é que a mudança não fosse esperada, nem que fosse devastadora do enquadramento geopolítico a que a Europa estava habituada. Mas talvez ninguém pudesse prever que fosse tão rápida.

Trump beneficia de uma conjuntura política interna favorável, com o Partido Republicano, embora com pequenas margens, a dominar as duas câmaras do Congresso. E aposta também no apoio da maioria dos juízes do Supremo Tribunal em caso de conflito sério. Isso permitiu-lhe dar início rápido ao cumprimento de muitas das medidas constantes do programa “Make America Great Again”.

Deu assim início ao programa de expulsão de imigrantes ilegais, eixo fundamental do combate contra a “invasão” que diz que os EUA está a sofrer. Nada surpreendente, porque para Trump, juntamente com a construção do muro na fronteira com o México, é uma bandeira de sempre.

Mais surpreendente será a velocidade com que Trump afrontou alguns dos principais quadros jurídicos que orientam a comunidade internacional.

Vejamos:

  • ordenou a saída dos EUA da OMS e do Acordo de Paris, numa “remake” algo revanchista do que já tinha feito no primeiro mandato;
  • decretou tarifas aduaneiras sobre produtos importados do Canadá e do México, na prática terminando com o Acordo Comercial existente com esses países;
  • anunciou tarifas contra a China, embora com valores menores, e contra a União Europeia.

A imposição de tarifas é justificada com os enormes défices comerciais dos EUA face a esses países, sem cuidar que resultam de três factores fundamentais:

  • respeitam a matérias-primas existentes nos EUA;
  • a deslocação da produção de empresas americanas para locais onde os custos são mais baixos;
  • a preferência dos consumidores americanos por produtos estrangeiros, mais baratos e muitas vezes de melhor qualidade.

E, tirando o caso da China, significa o início de uma guerra comercial em que os principais alvos, longe de serem adversários dos EUA, são justamente alguns dos seus principais parceiros.

Trump afirma que as tarifas irão provocar a retoma da produção industrial americana. Segundo muitos especialistas, é mais natural que resultem no aumento dos preços e no crescimento generalizado da inflação. E há as ameaças sobre a Dinamarca a propósito da Gronelândia, e sobre o Panamá; e a ameaça de uso imediato de sanções contra a Colômbia para forçar à recepção de imigrantes repatriados.

A afirmação da prevalência dos interesses americanos para criar tensões nas instituições de relações internacionais é um problema que os países da Europa têm de aceitar, e que conduz à necessidade de reinventar a União Europeia, através de um projecto transformacional que lhes garanta a sobrevivência em conjunto, para não serem absorvidos um a um pelos novos grandes actores da cena internacional. Mas exige uma liderança forte, carismática e inspiradora.

O Secretário Geral da NATO, Mark Rutte, na sua recente visita a Lisboa, mostrou estar ciente da necessidade de tomar medidas rápidas para assegurar a defesa da Europa – contrapondo com a atitude do Governo Português de estudar a antecipação da meta de 2029 para que o orçamento da Defesa atinja os 2% do PIB –, e António Costa, que aproveitou para convocar o Conselho Europeu, a que preside, para lançar a discussão em conjunto com o Reino Unido sobre novas abordagens do tema da defesa da Europa, parecem estar no caminho certo. É um princípio, mas não chega.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.