O Comité Olímpico de Portugal enviou ao Governo, aos partidos com assento paralamentar e às federações desportivas que integram o sistema desportivo português, um parecer sobre o atual modelo de financiamento do Desporto, em Portugal, que é o mesmo desde 2006. O organismo entende que o tema desportivo foi abandonado da agenda política e a interlocução entre os diferentes atores não ocorre. O atual modelo assenta em três eixos fundamentais – fontes de financiamento, critérios de aplicação do financiamento e supervisão e regulação do Estado.
O presidente do COP, José Manuel Constantitno, entende que o modelo carece de discussão, revisão e possívelmente ajustes ou de uma reformulação. Em entrevista ao Jornal_Económico, o líder do COP explicou o que está em causa, avançado que ainda não recebeu qualquer feedback do Governo ou dos partidos políticos e que, ainda este ano, o COP vai avançar com uma proposta de reflexão ao estatuto do dirigente desportivo.
O COP apela ao debate, um debate que deveria ser permanente e, talvez, já deveria ter começado. Por que razão tal não aconteceu e porquê agora levantar este tema?
Uma vez que estamos a terminar um ciclo político e vamos iniciar um novo, a partir de outubro, entendemos lançar na agenda política o debate sobre o modelo de financiamento para o Desporto. O atual modelo tem 13 anos e vive, à semelhança da generalidade dos países europeus, das receitas dos jogos sociais. A realidade é hoje diferente e, por isso, entendemos que este é o momento adequado para fazer uma reavaliação e verificar se o mesmo carece de ajustamentos.
Porquê um parecer com estas três linhas de intervenção?
Porque em todas elas há défice de intervenção do Estado. O atual modelo pode ser corrigido de forma a que os meios financeiros aportados ao sistema desportivo permitam ganhar competitividade no contexto internacional.
Que modelo proporia para solucionar os problemas identificados?
Ao nível das fontes de financiamento, é necessário encontrar uma repartição de receita distinta daquela que ocorre atualmente, porque o valor que se estimava à data de 2006 é hoje completamente distinto – para melhor – e, por isso, esse volume acentuou algumas disparidades, do ponto de vista de receitas de jogos sociais. O justo retorno para o sistema desportivo está aquém do desejável. Quando comparamos a nossa grelha de repartição com a generalidade dos países europeus, o desporto é o elemento mais penalizado.
Pode dar um exemplo dessa penalização?
Nos países do Sul há maiores debilidades e assimetrias sociais e, por isso, é correto e é justo que dentro do princípio de solidariedade os jogos sociais procurem compensar ou procurem responder a necessidades de natureza social, que não exclusivamente os do desporto. Nós consideramos que há aqui alguma desproporção.
Exemplo: há um subsistema no sistema desportivo que é o subsistema do Desporto Escolar, que recebe em média um valor superior a 20 milhões euros/ano. Nenhuma federação desportiva recebe essa verba. É quase 50% daquilo que recebem todas as federações desportivas nacionais. E esse valor corresponde ao que o COP recebe para preparação desportiva num ciclo de quatro anos. Veja-se a desproporção que este valor tem, relativamente a um subsistema que está completamente profissionalizado. E, ainda, há o financiamento da administração pública desportiva às organizações desportivas, que está muito centrado no histórico.
O que significa isso?
Significa que não há a introdução de elementos de inovação que permitam estimular as federações desportivas, através de projetos de inovadores ou através de rácios de eficácia evidenciadas, que tenham boa governação, devam ser estimuladas e, de algum modo, premiadas por isso. A perspetiva que fica é que trabalhe-se bem, assim-assim ou trabalhe-se mal, o apoio financeiro do Estado vai buscar ao histórico o seu referencial fundamental.
A solução passaria também por uma distinção entre modalidades, entre o nível de profissionalismo?
A questão decisiva, do meu ponto de vista, é estimular e de algum modo premiar a boa governação das organizações desportivas, através daquelas organizações que apresentam projetos inovadores, empreendedores e que ajudam ao desenvolvimento das modalidades. E para que isto ocorra entramos no terceiro eixo, que é o problema da regulação e da supervisão.
E que problema é esse?
A regulação e a supervisão não podem incidir apenas em indicadores de natureza administrativa e financeira – não podem incidir apenas sobre as contas. A prestação de contas numa organização desportiva não é uma prestação estritamente financeira. É uma prestação que tem de ter uma relevância de natureza desportiva. Uma federação que trabalhe bem não é uma federação que tenha contas equilibradas é também uma federação que tenha resultados desportivos significativos. Há um revisor oficial de contas, mas devia haver também um revisor oficial desportivo – essa é a função do Estado. Se o Estado consegue apoios financeiros às federações, tem a obrigação de verificar se esse apoio financeiro se traduz em ganhos do ponto de vista desportivo, uma vez que esses ganhos têm um valor social.
Considera existirem vícios, criados nos últimos 13 anos, entre o atual modelo de financiamento do sistema desportivo e a canalização das verbas dos jogos sociais que não chegam às federações?
Sim, há vícios que criam bloqueios no financiamento desportivo.
Existe algum lobby, nomeadamente no que respeita a jogos sociais?
Não, a responsabilidade não é dos jogos sociais. A responsabilidade é política e, por isso, a Santa Casa da Misericórdia não tem responsabilidade nenhuma nesta matéria. É preciso também compreender que o diploma criado há 13 anos foi uma ideia bem concretizada, porque o sistema desportivo estava falido, do ponto de vista do seu financiamento. Hoje, o momento é outro e, por isso, é necessário fazer correcções.
O Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) é mencionado no documento COP. Que avaliação faz deste organismo?
O IPDJ é mais consequência do que causa, porque cumpre as orientações que lhe são dadas.
Mas há uma crítica no documento à atuação deste organismo, certo?
Há, no sentido em constatamos as limitações da sua intervenção. O IPDJ não é responsável por ter os recursos humanos que tem, ou as capacidades de intervenção que tem, até porque isso é uma responsabilidade mais de natureza política do que administrativa.
Eu fiquei estupefacto quando li na comunicação social que uma determinada gestão do IPDJ conseguiu deixar nos cofres um saldo positivo de 20 milhões de euros. E receio que essa poupança tenha sido cativada e tenha sido as Finanças [o ministério] a ficar com ela e não o sistema desportivo – porque era dinheiro que pertencia ao sistema desportivo.
Quando se apresenta um padrão de boa gestão, ter poupado um valor tão significativo, quando muitas das federações desportivas viviam em apneia, eu interrogo-me. Como é que isto é possível haver, por um lado, necessidades e, por outro, haver um ganho de gestão significativo. Aí há uma crítica clara.
Mas o José Manuel Constantino foi presidente do Instituto do Desporto Português. Compreende a situação do IPDJ?
Tenho perfeita consciência que a vontade e a capacidade de quem lidera tem limites, que decorrem de orientações políticas. Mas há uma coisa que o COP chama à atenção, que tem a ver com uma parte significativa dos recursos que vêm dos jogos sociais não chegarem às federações desportivas. Para onde é que vão? Para pagar custos da administração pública é que não é. Este dinheiro é para apoiar o desenvolvimento desportivo. Há alguma coisa na passagem do dinheiro que faz com que uma parte fique onde não devia ficar.
E como interpreta essa não transferência?
É para pagar custos de funcionamento da administração pública, que deviam ser pagos pelo orçamento de estado e não por verbas que vêm dos jogos sociais e que estão concessionadas a um determinado objetivo que é o desenvolvimento e financiamento do sistema desportivo.
Entre 1996 e 2017, período de maior sucesso desportivo no desporto português, registou-se um crescimento de apenas 8,5 milhões de euros na verba anual atribuída ao Desporto em Portugal. Que reflexão merece este dado?
Em primeiro lugar, que o crescimento do financiamento público foi muito diminuto e que esse crescimento não inviabilizou de todo a possibilidade de algum acréscimo da competitividade externa. E significa que se esse apoio tivesse sido distinto, a nossa competitividade externa seria ainda mais superior.
O COP indica neste documento que há cenários mantidos por razões de conveniência que distorcem a realidade desportiva. Que razões de conveniência são essas?
São as de, sacrificando em muito aquilo que era o seu foco, construírem projetos onde sabem à partida que podem obter vantagens financeiras. É o que se passa no desporto adaptado. Hoje, a generalidade das federações tem no seu seio quadros competitivos para o desporto adaptado, que numa percentagem muito benévola corresponderá a 1% do universo do desporto nacional, sendo um meio de financiamento. E compreendo perfeitamente que a tentação seja grande, a de desfocar ou de acrescentar o foco principal das federações porque é mais um acréscimo de financiamento.
Sobre o atual modelo, face à necessidade de o ajustar ou atualizar, quem perde mais?
Portugal. O Desporto precisa do país. É preciso perguntar ao país se precisa do Desporto.
Artigo publicado na edição nº1976 de 15 de fevereiro, do Jornal Económico
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com