[weglot_switcher]

‘Chicotada psicológica’ serve “para controlar as frustrações dos adeptos e acionistas”

O diretor da Faculdade de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Europeia, Luís Vilar, em entrevista ao Jornal Económico, frisa que esta medida é “uma consequência inevitável da ausência de estratégia e cultura organizacional” dos clubes.
4 Março 2019, 07h35

O Observatório do Futebol da Universidade Europeia divulga esta segunda-feira um estudo intitulado “As chicotadas psicológicas na Liga NOS”, no qual revela que embora favorável a curto prazo, não existem alterações no rendimento das equipas com a substituição dos treinadores a meio da temporada.

Os dados deste estudo dizem respeito a todos os jogos de todos os clubes onde se verificou uma mudança de treinador durante as épocas desportivas de 2016-2017, 2017-2018 e 2018-2019 (esta última até à 18ª Jornada), sendo que Boavista, Desportivo das Aves, Benfica e Desportivo de Chaves, foram os únicos a conquistar mais pontos por jogo após o despedimento dos treinadores.

Luís Vilar, diretor da Faculdade de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Europeia, em entrevista ao Jornal Económico, refere que as ‘chicotadas psicológicas’ servem muitas vezes para “controlar as frustrações dos adeptos e accionistas” dos clubes.

Se as chicotadas psicológicas não melhoram o rendimento das equipas, porque é que continuam a ser uma autêntica ‘instituição’ em Portugal?

Por um lado, parece-me que existe um desconhecimento por parte dos dirigentes do futebol português sobre o efeito do despedimento dos treinadores. Muito tem sido a discussão sobre a necessária formação dos quadros superiores, em que a competência de decisão com base em evidência deve estar necessariamente no cerne do processo. Esta mudança iria permitir mudar-se o paradigma do dirigente para o gestor do desporto. Por outro lado, alguns investigadores salientam a hipótese de que a troca de treinadores é apenas um meio conveniente de controlar as frustrações dos adeptos e accionistas.

Quais podem ser as alternativas à chicotada psicológica? O que pode uma direção fazer no sentido de mudar algo quando uma equipa não consegue vencer jogos?

As chicotadas psicológicas estão, no meu entender, muito relacionadas primeiro com a ausência de estratégia e um consequente trabalho criterioso ao nível do planeamento da época desportiva, e depois com a inexistência de uma cultura organizacional com que toda a estrutura, de cima a baixo, se identifique. As chicotadas psicológicas são uma consequência inevitável da ausência de estratégia e cultura organizacional, daí que considera que elas evitam-se assegurando estas duas dimensões. Não obstante, no decorrer da época, a melhor forma de inverter resultados negativos é trabalhar bem e com critério. Deve existir um processo sistemático de análise do rendimento de todos os departamentos do clube (do presidente aos jogadores), planeamento de estratégias de ação, operacionalização das mesmas e nova avaliação. E assim consecutivamente, quer se continue a perder, quer se comece a ganhar.

Que imagem tem, perante os investidores e patrocinadores, uma Liga onde as equipas trocam tantas vezes de treinador?

A imagem que um investidor ou patrocinador tem perante sucessivos despedimentos de treinadores é a mesma que têm quando interagem com os dirigentes dos nossos clubes: que não existe um planeamento nem visão estratégica. Esta limitação é transversal a toda a organização, daí que não seja atrativo também para os patrocinadores investirem num setor cujo retorno não é seguro, sistemático nem fiável.

As sucessivas trocas de treinadores também são prejudiciais para a imagem dos próprios técnicos que, nalguns casos, dirigem uma série de clubes em poucas temporadas?

Obviamente que não é bom para o currículo de nenhum treinador acumular despedimentos em diferentes clubes. Não obstante, os próprios dirigentes já minimizam esta questão porque sabem a leviandade com que estas decisões são tomadas. Se formos a ver, as ‘cadeiras’ estão sempre a rodar mas ‘quem se sentam’ são invariavelmente os mesmos. Não tenho dúvidas que os treinadores portugueses treinam na Liga NOS com o sonho de terem um contrato com um dos três grandes e conseguir sair para o mercado estrangeiro, onde aí sim se ganha bem e se tem condições de trabalho. Foi assim com Marco Silva, Rui Vitória, Vitor Pereira, Leonardo Jardim, entre outros.

É um exercício de especulação mas, caso Rui Vitória se mantivesse a liderar o Benfica, as águias estariam a lutar pelo título? E no caso do Sporting, os leões estariam melhores com Peseiro?

É ingrato responder a essa pergunta. Antes de mais, importa salientar que a ausência de efeito a longo prazo dos despedimentos de treinadores em Portugal que o Observatório do Futebol da Universidade Europeia verificou tem por base uma tendência estatística que analisou 32 despedimentos das últimas três épocas desportivas, existem casos pontuais que melhoram e outros que pioram. No caso do Benfica, a entrada de Bruno Lage não só mexeu com os papeis sociais estanques no seio do plantel como produziu alterações táctica-estratégicas no modelo de jogo do Benfica, que estava no cerne da fraca produção ofensiva da equipa. Daí que eu considere que se o Benfica não tivesse mudado de treinador hoje não estaria tão bem como está. No caso do Sporting, o problema não era o treinador, mas sim o legado (ou a ausência dele) deixado por uma anterior administração que delapidou património financeiro e desportivo. José Peseiro fez omeletes interessantes com poucos ovos. Daí que a entrada de Marcel Keizer não tenha melhorado os problemas existentes na estrutura.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.