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CEO da Super Bock: “Excesso de burocracia e regulamentação criam fortes barreiras às empresas” no seu crescimento na Europa

Rui Lopes Ferreira, CEO do grupo que é o maior exportador português de cervejas, em conversa com o Jornal Económico, a propósito da rubrica o Decisor da Semana, defendeu que “estando hoje demonstrado que são as grandes empresas que mais investem em tecnologia e em formação, mais inovam, e pagam melhores salários, a solução parece óbvia: precisamos de maiores empresas”.
20 Fevereiro 2025, 07h00

O Super Bock Group anunciou recentemente que vai investir 80 milhões de euros até 2030 na descarbonização do grupo, implementando um conjunto de medidas que inclui a modernização de infraestruturas e a criação de cinco unidades de produção para autoconsumo e comunidades de energia. O objetivo da empresa é atingir a neutralidade carbónica direta em todas as suas fábricas em 2030. Este foi o pretexto para falar com Rui Lopes Ferreira, CEO do Grupo Super Bock no contexto da rubrica semanal de Decisor da Semana, que sai às sextas-feiras na edição em papel do Jornal Económico.

Rui Lopes Ferreira é desde 2015 Presidente Executivo do Grupo Super Bock, detido em 44% pelo Grupo Carlsberg e em 56% pela Viacer – que por sua vez pertence ao grupo Violas (71,5%) e ao Grupo Carlsberg (28,5%). O grupo, com maioria de capitais portugueses e com centro de decisão em Portugal, é o maior exportador português de cervejas – uma operação que já chega a mais de 50 países, sobretudo através da marca Super Bock, que é a cerveja portuguesa mais vendida no mundo.

No âmbito do Roteiro de Descarbonização do Grupo, o CEO anunciou que o grupo vai implementar um conjunto de medidas que inclui a modernização de infraestruturas, instalação de tecnologia que permitirá aumento da eficiência na utilização de recursos, investimentos em inovação e desenvolvimento para aumentar a circularidade dos seus processos, garantindo assim a redução de resíduos e a promoção da reutilização e reciclabilidade das suas embalagens. Ainda no âmbito deste Roteiro, o Super Bock Group está, também, a incentivar o uso de energias renováveis, nomeadamente ao instalar caldeiras de biomassa e painéis solares fotovoltaicos em cinco unidades, que vão produzir energia para autoconsumo e criar Comunidades de Energia, em parceria com o Grupo Greenvolt, através da Greenvolt Comunidades. Está ainda a substituir o uso de gás natural como fonte de energia térmica e a reduzir resíduos, levando à diminuição de emissões de GEE do Grupo.

As primeiras duas etapas deste Roteiro de Descarbonização estão diretamente ligadas com as emissões diretas que o grupo Super Bock origina e prevê-se que estejam neutralizadas até 2030. Já a terceira fase, relacionada com as emissões indiretas, que são cerca de 90% do valor total das emissões de GEE, está relacionada com as originadas na cadeia de valor, sobretudo concentradas na produção de embalagens, nos equipamentos de extração e refrigeração de bebidas e na agricultura, tem como ambição 2050, com metas de redução com recurso aos Science Base Targets Initiative (SBTi).

O Roteiro inclui ainda, atualmente, dois projetos de restauro ecológico e promoção da biodiversidade em Matosinhos e Pedras Salgadas que vão permitir, no conjunto, o sequestro de CO2 até 91 toneladas/ano, bem como a retenção de água nos solos.

Tendo em conta as metas de descarbonização do Grupo Super Bock, pergunto se concorda com a afirmação dos especialistas em sustentabilidade que têm dito que não basta descarbonizar [usar energias verdes, etc.] para atingir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C. É preciso retirar CO2 da atmosfera, porque qualquer emissão de dióxido de carbono acresce às toneladas que já existem e que não é possível atingir as metas sem retirar carbono da atmosfera. O grupo vai ter uma pegada de carbono negativa? Se sim, quando?

Os especialistas terão certamente razão! Mas, de uma forma pragmática, é preciso começar por algum lado… começar por neutralizar já é um passo muito relevante! Não podemos ter uma visão de funil; ou seja, não podemos apenas pensar em energias verdes como forma de descarbonizar as indústrias, as cidades, os países, etc. É fundamental ter uma visão sistémica e envolver os vários stakeholders numa economia para adereçar novos hábitos e novos processos, assentes em políticas mais eficazes. Temos claro que, além das energias verdes e das reduções de consumos de recursos naturais, como por exemplo da água, aumentar a circularidade dos nossos processos (reduzindo desperdícios, reutilizando, reciclando e repensando os nossos modelos de negócio), fomentar a inovação, promover as parcerias ao longo da cadeia de valor e aventurar-nos com projetos de restauro ecológico (estes sim de absorção de carbono, que poderão no futuro contribuir para a tal pegada negativa), de modo a contribuirmos com solos mais férteis, mais biodiversidade e, como tal, capacidade para captura de água e carbono. O foco neste momento está em “não causar” danos para mais tarde avaliarmos como podermos contribuir positivamente.

Qual é o horizonte temporal do Roteiro de Descarbonização do grupo até 2030 ou 2050?

Temos neste momento 2 horizontes temporais. Até 2030, atingir a neutralidade carbónica das nossas fábricas (scope 1 e 2) e, com base na ciência e na orientação dos SBTi, adereçar o Scope 3 (emissões indiretas ao longo da nossa cadeia de valor), contribuindo para os targets do Acordo de Paris até 2050.

Pode explicar em poucas frases como é que um grupo industrial pode atingir a neutralidade carbónica em 2030?

A nossa indústria utiliza cerca de 1/3 de energia elétrica e 2/3 de energia térmica. Assim, atingir a neutralidade carbónica das nossas fábricas até 2030 significa que, até lá, só utilizaremos fontes de energias renováveis (elétrica e térmica), não só pela substituição das fontes de energia atuais, mas também pelo investimento em tecnologia que permite reduzir em absoluto os consumos e eliminar perdas/desperdícios nos processos.

O investimento de 80 milhões de euros é suficiente?

Para o roteiro desenhado à data e que está sobretudo focado nas emissões diretas, sim. Oportunamente, serão avaliados os investimentos a realizar com base nos compromissos a formalizar com os SBTis (Science Based Targets Initiative) para adereçar as nossas emissões ao longo da cadeia de valor.

O Economist fez uma capa que dizia ESG: Three letters that won’t save the planet. Começam a surgir dúvidas sobre a eficácia dos requisitos ESG. São dúvidas fundadas? Como é que o ‘ESG’ passou a significar tudo e nada?

Creio que a capa do Economist expressa sobretudo a preocupação da carga regulatória que está por detrás do reporting ESG e o receio do greenwashing.

Contudo, na minha perspetiva, estamos numa nova fase de evolução do próprio ESG a caminho de uma mudança de paradigma. O caminho não é, nem pode ser, apenas focado no reporting e na comunicação pela comunicação. Empresas que tenham práticas alinhadas com a sustentabilidade, a circularidade e a regeneração são empresas certamente mais resilientes, inovadoras, eficientes e alinhadas com as necessidades sociais e ambientais, e que creio irão prosperar fortemente. Empresas que apenas incorporem o ESG nas suas estratégias de comunicação e marketing, sem qualquer substância e que não façam mudanças reais, terão o futuro hipotecado.

Acredita que o caminho do ESG é irreversível? Os bancos, por exemplo, vão deixar de financiar empresas “castanhas”?

Como referi, acredito que o caminho é de construção e ajustamento. O modelo económico tem de acrescentar valor respeitando os limites do planeta e até ajudando à sua regeneração, ao mesmo tempo que cuida das pessoas e suas comunidades. O financiamento acompanhará seguramente a criação de valor justo, equitativo e próspero.

A maior empresa portuguesa de bebidas refrescantes, Super Bock Group, quer dizer cervejas, águas engarrafadas, refrigerantes, vinhos e produção de malte. Mas também turismo. O turismo é uma estrela em ascensão no grupo?

O turismo não é parte do nosso “core business”, mas é uma parte importante das atividades da empresa na medida em que o grupo sente uma forte responsabilidade social em manter e desenvolver ativos de referência do país e de uma região habitualmente vista como economicamente deprimida.

Acresce que os ativos detidos no turismo estão intrinsecamente ligados, também, à proteção de áreas naturais, como é o caso do Pedras Salgadas Spa & Nature Park. Pese embora seja um negócio distinto, permite-nos ter uma visão holística pela agregação de uma fábrica, termas/spa, unidade hoteleira, um parque natural centenário e projeto de restauro ecológico, assim contribuindo para a comunidade do interior do nosso país onde estamos inseridos.

O produto estrela do grupo é a Super Bock ou a célebre Pedras Salgadas?

Somos uma empresa de marcas e, por isso, tanto a marca Super Bock quanto a marca Pedras, e mesmo a marca Somersby, são estrelas no nosso vasto portfolio, de que muito nos orgulhamos. Mas, focando-nos nas 2 principais marcas, costumo dizer que Super Bock é a nossa marca rainha e Pedras a nossa eterna princesa, pois tem já mais de 150 anos.

Tem orgulho em serem dois produtos portugueses com grande projeção internacional?

Sem dúvida! Marcas reconhecidas nacional e internacionalmente pelas suas características, qualidade e também relevância para os consumidores.

Como vê o futuro do grupo daqui a 10 anos? A indústria cervejeira vai seguir sendo o core do grupo?

Somos um grupo que faz 135 anos em março do corrente ano, com um legado muito forte e, por isso, com o compromisso firme de continuar a trajetória de sucesso desta empresa.

Quantas pessoas trabalham no grupo? Disse recentemente que “Ao longo da minha carreira, tenho aprendido que liderar é aprender, sempre”. Como é gerir uma empresa desta dimensão com capital maioritariamente familiar?

Em finais de 2024, trabalhavam no grupo cerca de 1300 pessoas e, com elas, tenho aprendido imenso ao longo do meu percurso.

A frase que menciona “liderar é aprender, sempre” espelha na perfeição a realidade da gestão atual, num mundo em constante evolução e de elevada volatilidade; parar de aprender é cristalizar, é morrer. E isto não se aplica apenas ao líder… entendo que a capacidade permanente de aprender e inovar é hoje um fator de competitividade essencial em qualquer organização.

Pese embora os desafios, gerir uma empresa que é líder de mercado, uma das maiores investidoras em IDI em Portugal, que investe em marcas fortes, tem pessoas extraordinárias e é recheada de talento (jovem e não só), é uma tarefa deveras estimulante. Sinto que sou um privilegiado.

Concorda com o Relatório Draghi que faltam dimensão às empresas europeias para competir com os EUA e a China? Qual lhe parece ser o caminho para a competitividade do país, por um lado, e da zona euro, por outro?

Sim, concordo. Falta dimensão, mas também falta agilidade de processos e discriminação positiva para as empresas investirem e evoluírem em ecossistema virtuoso que potencia o crescimento das empresas. O excesso de burocracia e regulamentação cria fortes barreiras às empresas no seu caminho de crescimento na Europa.

Além de dimensão e agilidade, acredito que será necessária uma grande dose de coragem também, pois vem-me à memória uma frase que ouvi recentemente atribuída a um líder europeu já há alguns anos: “todos os dirigentes europeus sabem o que é preciso fazer, não sabem é como se ganham eleições se fizerem o que tem de ser feito…”

Disse recentemente que lamenta ver o país “hostilizar” o capital que “gera riqueza, emprego e melhores salários”. Como é que se transforma Portugal num país que retém talento, premeia o mérito e paga salários decentes compatíveis com o nível de vida do país?

Há uma trilogia para estimular a produtividade, fomentando o crescimento e desenvolvimento harmonioso: investimento, inovação e educação.

Precisamos trabalhar os “gaps” existentes nestas matérias. Estando hoje demonstrado que são as grandes empresas que mais investem em tecnologia e em formação, mais inovam e pagam melhores salários, a solução parece óbvia: precisamos de maiores empresas. Creio que somos um dos países europeus com menos peso de grandes empresas no tecido empresarial, as PME’s representam cerca de 99% do total. Nada me move contra as PME’s, antes pelo contrário, são uma parte essencial do tecido produtivo. Mas o que temos é de estimular o surgimento (crescimento) de mais empresas a grandes empresas, até porque estas induzem também a um efeito de arrastamento nas pequenas empresas. Ou seja, temos de deixar de ser o “Portugal dos Pequeninos” e temos de nos juntar à Champions League em matéria de empresas.

Como é o seu dia-a-dia na gestão do grupo?

Muito diversificado. Cada dia é diferente. Quando assumi estas funções, acreditava que a regra de 1/3+1/3+1/3 seria adequada (um terço do meu tempo dedicado a pessoas, mercado e diversos/imprevistos). Mas enganei-me no tempo necessário para as pessoas.

O que mais aprecia nas pessoas?

Gosto de pessoas autênticas, genuínas. E costumo dizer que possuir muitos C’s é também muito estimulante: carácter, curiosidade, coragem, convicções (mas não teimosia), carisma e até carinho (care for people é talvez a expressão que melhor expressa este C).

Qual a sua citação preferida?

Tantas… Numa esfera militar, que tem muitas proximidades com a gestão, dizia Norman Schwarzkopf (general americano): “a liderança é uma poderosa combinação de estratégia e carácter. Mas se tivermos de passar sem um, que seja a estratégia”.

Ultimamente, tenho estado muito orientado para a cultura oriental, e há um provérbio (creio que não tem autor conhecido) que diz: “se queres um ano de prosperidade, semeia arroz; se queres 10 anos, planta árvores; se queres 100, faz crescer as pessoas!”. Numa perspetiva mais pessoal, ensinamento da minha avó materna: “viver não custa, o que custa é saber viver”.

 

 

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