É hoje visível que os líderes europeus estão conscientes da alteração que a (legítima) opção da administração Trump por privilegiar os interesses dos EUA veio trazer à ordem mundial a que nos tínhamos habituado nas últimas décadas.

Não está (ainda) posta em causa a concepção de que os conflitos internacionais se devem dirimir por meios não violentos e que os Estados devem colaborar para assegurar a paz. Mas está em crise o equilíbrio de forças na cena internacional, resultante de diversas circunstâncias, entre as quais a noção transaccional que Trump tem da política internacional, que se transforma no regresso ao isolacionismo tradicional da fórmula “America First”, e em posturas agressivas e expansionistas como as que transparecem das suas afirmações face à Gronelândia, ao Canal do Panamá e a Gaza.

Este quadro, aliado à visão que Trump tem da política como espectáculo televisivo (como se viu na passada sexta-feira), ajuda a perceber a encruzilhada em que a Europa se encontra.

A Europa continua a considerar, e bem, que a aliança com os EUA é importante para a sua segurança. Mas deve, também, ter a consciência de que essa aliança não é desinteressada, e que pode falhar se os EUA entenderem que a situação em concreto não corresponde aos seus interesses. Para já, para Trump, o conflito na Ucrânia interessa aos russos e aos europeus, mas não afecta nenhum interesse vital dos EUA, pelo que estes não devem envolver-se na disputa – a menos que daí obtenham vantagens económicas, o que justifica a atenção dada às riquezas minerais.

Mas tal como os EUA, a Rússia também tem uma visão histórica da política internacional. A diferença é que a posição dos EUA tem sido de isolacionismo e concentração no continente americano, ao passo que a Rússia sempre foi expansionista, visando obter fronteiras naturais defensáveis e saídas para o mar, que encontra na Europa. E isso afecta-nos muito mais do que aos americanos.

A Europa tem, por isso, de encontrar uma solução que reduza a sua dependência dos EUA, sem eliminar os laços de cooperação e comércio existentes. Tem de reforçar rapidamente instrumentos de integração nos domínios da defesa, designadamente um exército comum que, na minha opinião, dado que não se concebe um exército comum sem uma chefia unificada nem uma política externa comum, obriga a uma completa reformulação da actual arquitectura institucional da União Europeia.

O problema será compatibilizar a urgência em obter soluções exequíveis e praticáveis com a necessidade de salvaguardar a estabilidade, representatividade e democraticidade da configuração institucional, dado que a discussão sobre estes temas vai ter de ser travada no pior momento possível – quando a pressa dificulta a profundidade da reflexão.

É expectável que, no decorrer do processo, surjam reacções negativas, como sucedeu com o projecto de Constituição Europeia em 2003, porque o preço a pagar pelo aprofundamento da integração e o reforço das instituições comuns será o aumento das transferências de soberania nacional dos Estados-membros para a União, sob a liderança de um eixo franco-alemão (com eventual colaboração do Reino Unido) e com alteração das regras de deliberação para limitar a exigência de unanimidade, como condição essencial para a manutenção da paz.

É um risco. Na minha opinião é também uma necessidade irresistível, ou a médio e longo prazo não estará garantida a sobrevivência desses Estados, e se houver alguém que não concordar, pois que saia agora.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.