Na peça Júlio César, a tragédia de Shakespeare, Bruto, depois de ter consumado o assassinato de César, interpela os romanos e justifica os motivos que o levaram a cometê-lo: “E se esse amigo, então, perguntar por que motivo Bruto se levantou contra César, eis a minha resposta: não foi por amar menos a César, mas por amar mais a Roma.”

E este era o cerne da questão para Bruto: a liberdade e a integridade de Roma não podiam ser postas em causa devido às ambições de César.

No imaginário de Shakespeare, César foi assassinado nos Idos de Março. E é precisamente nos idos de março que Luís Montenegro se arrisca a uma queda estrepitosa do poder por sua própria responsabilidade. Montenegro ama mais a sua empresa e os ganhos que esta lhe traz, do que ama a estabilidade governativa do seu país.

Submeteu a República a um processo degradante em que é incapaz de reconhecer que o cargo de primeiro-ministro é incompatível com os esquemas familiares de negócios que dão chama ao discurso populista.

Não há noção de Estado, como tem vindo a ser demonstrado. Não há dignidade no cargo. Há, sim, uma irresponsabilidade total por não estar no serviço público de forma idónea e transparente.

E quem sai beneficiado deste ciclo político português de instabilidade?

Certamente não serão os eleitores, que têm sido penalizados pelo aumento do custo de serviços essenciais e pela degradação dos serviços públicos. Saem também penalizados os partidos políticos que estão no arco de governação desde o 25 de Abril. De eleição em eleição, o desgaste acentua-se com ciclos curtos de governação que levam a políticas inconsequentes ou sem continuidade.

Esta é uma altura muito perigosa para um vazio de liderança na política portuguesa. A Europa prepara-se para um cenário de guerra e já foi anunciado um plano de investimento em rearmamento da Europa no valor de 800 mil milhões de euros, estando previsto também o apoio imediato à Ucrânia.

Este é um passo inevitável face à nova e disruptiva aliança russo-americana que ameaça as democracias liberais. Montenegro tem estado ausente das reuniões e decisões dos líderes europeus, reforçando ainda mais a sua pequenez e inépcia para o cargo para que foi eleito.

A moção de confiança que se avizinha pode precipitar um novo ciclo eleitoral, mas as possibilidades de sair uma maioria governativa estável dessa nova eleição são reduzidas. Onde estão as lideranças inspiradoras de que tanto precisamos?