Donald Trump não gosta do IVA. Certamente não será o único. Numa coisa não deixa de estar certo. Ao não possuírem um IVA, os EUA estão na retaguarda do desenvolvimento. Nesta matéria, “America is not great”. Não pelas razões descabidas que avança, mas por outras, de índole distinta. Ao não possuírem um IVA, os EUA estão a abdicar do imposto mais bem apetrechado para enfrentar os desafios de hoje e a economia do amanhã. As razões são múltiplas. Atenta a centralidade do tema para o nosso destino comum, talvez justifique um par de minutos de reflexão.
O propósito último do IVA é tributar o consumo de bens e serviços onde este efetivamente ocorre. O alicerçar da competência tributária dos Estados neste princípio acarreta várias vantagens para a operação do imposto numa economia globalizada e digitalizada.
Primeiro, o IVA não prejudica a competitividade internacional de um país. Ao contrário do IRC, cujo custo é forçosamente internalizado pela empresa, e, em princípio, adicionado aos seus custos de produção, encarecendo os produtos e serviços que exporta, o IVA não penaliza o custo das exportações. As empresas oferecem os seus bens e serviços nos mercados internacionais livres de IVA. Não liquidam IVA nas suas exportações e, em paralelo, o IVA suportado na aquisição dos seus inputs é-lhes devolvido pelo Estado. Por outro lado, as importações, numa aceção económica do termo, são tributadas e colocadas em paridade com os bens e serviços de origem interna.
Segundo, graças às múltiplas reformas que tem sofrido a nível europeu, a última das quais aprovada em novembro de 2024 em Bruxelas, com efeitos que se estenderão até 2035, o imposto está a adaptar-se bem à nova economia digital.
O IVA, hoje, tributa com facilidade uma prestação de serviços eletrónicos a um consumidor europeu, adotando como elemento de conexão com o Estado, por exemplo, o indicador de país do número do cartão SIM do telemóvel utilizado pelo consumidor na sua aquisição. Também uma remessa de baixo valor, oriunda da China ou da Índia, adquirida por um consumidor final europeu numa plataforma digital como a Amazon ou a Alibaba é hoje facilmente tributada, forçando-se as plataformas a cobrar o imposto e a entregá-lo ao Estado onde se encontra estabelecido o consumidor.
Note-se que se o IVA se tem vindo a adaptar bem à tributação do consumo efetuado por via digital, menos cuidado não tem sido colocado na forma como possibilita hoje às empresas a operar em toda a União Europeia tratar das suas obrigações declarativas e de pagamento somente num país, o seu país de registo. Cada vez mais assim será atenta a modernização em curso do imposto.
Terceiro, o IVA possui um mecanismo natural de autopoliciamento pelos agentes económicos, na medida em que as empresas só poderão deduzir o imposto suportado nas suas aquisições caso as despesas sejam tituladas por faturas devidamente emitidas. A crescente aposta na emissão de faturas eletrónicas e na sua comunicação às administrações tributárias em tempo real, possibilitada pelos avanços tecnológicos, só irá fortalecer esta caraterística do IVA, tal como reconhece o pacote legislativo aprovado em novembro passado em Bruxelas (apelidado de ViDA – VAT in the Digital Age).
Enquanto o IVA se adapta, o IRC debate-se com a dificuldade de estabelecer um nexo tributário entre a atividade das empresas globais e digitais e o Estado tributário, com tentativas politicamente controversas de implementar um complexo imposto mínimo global sobre o rendimento das empresas, com uma taxa de 15%, para as empresas multinacionais de grande dimensão (medida conhecida como “Pilar 2” na abordagem definida pela OCDE e pelo G20 nesta matéria) ou alterar a forma como os Estados presentemente alocam entre si os lucros das maiores e mais rentáveis multinacionais do mundo (medida, por sua vez, conhecida como o “Pilar 1” desta mesma abordagem).
Também para o IRS o futuro não se afigura fácil. Tributar indivíduos primariamente com base na sua residência numa época de elevada mobilidade, teletrabalho, nómadas digitais e regimes de exceção a serem introduzidos em vários países para atrair, através da tributação reduzida do rendimento, profissionais qualificados – geralmente responsáveis pelo pagamento da maior fatia deste imposto –, levanta preocupações sérias para o erário público e para a progressividade do sistema fiscal.
Mas não há bela sem senão. O IVA, não obstante a miríade de isenções e taxas reduzidas que possui, falha na progressividade. A capacidade contributiva é fundamento deste imposto, mas não medida do quanto cada um deve pagar.
Elon Musk e o Sr. António Silva, um remediado empregado de escritório numa sapataria na Rua Augusta, pagarão a mesma taxa de IVA ao comprar uma garrafa de água em Lisboa. Mesmo para esta imperfeição do imposto existem, no entanto, soluções ao dispor de cada Estado: abraçar a progressividade através da despesa, favorecendo a utilização das receitas do imposto em investimento com caraterísticas redistributivas, como educação e saúde, eventualmente cumulado com subsídios diretos às famílias mais pobres, proporcionalmente mais oneradas pelo IVA na medida em que tendem a investir uma proporção superior do seu rendimento em consumo.
Com os desenvolvimentos tecnológicos em curso, poder-se-á, inclusive, eliminar pela raiz esta fragilidade do imposto, tornando-o progressivo, assim fazendo com que indivíduos de distinta capacidade económica sejam sujeitos a taxas de imposto diferenciadas no momento em que realizam as suas compras.
Em suma, Mr. Trump, “VAT is awesome!”. Talvez valha a pena conhecê-lo.