O que parecia mais um capítulo barulhento na novela tarifária de Donald Trump pode, na verdade, ter sido a resposta a algo mais silencioso – e muito mais grave: o esvaziamento da confiança no Tesouro dos Estados Unidos.

Nos últimos dias, o mercado assistiu a um despejo invulgar de títulos públicos norte-americanos. Os juros dos papéis de 10 e 30 anos dispararam. O Tesouro Americano tentou fazer leilões, mas encontrou um deserto de compradores. Esse fenômeno – raro e alarmante – é uma espécie de grito do mercado. E há fortes indícios de que por trás dele esteja a China, o segundo maior credor da dívida americana, que teria começado a vender suas posições como resposta às provocações comerciais de Washington.

Essa dinâmica revela algo mais profundo do que uma simples retaliação comercial. Ela indica uma escalada de tensões: de guerra de tarifas para guerra de capitais. A China detém um trunfo que raramente é lembrado fora dos círculos técnicos: sua posição estratégica na dívida americana lhe dá poder para perturbar os fluxos globais com um único gesto. Ao vender Treasuries, a China não apenas pressiona o dólar – ela aumenta os juros futuros, encarece o crédito e mina a base do que sempre foi o “porto seguro” da economia global.

O efeito é devastador. Se os títulos públicos norte-americanos perdem sua aura de segurança, todo o sistema financeiro global começa a tremer. E foi exatamente esse tremor que, segundo alguns economistas e gestores de fundos, levou Trump a anunciar novas tarifas: não como ato de força, mas como tentativa de desviar o foco, recuperar o controle da narrativa e forçar outros países a reabrirem negociações comerciais. A teatralidade, neste caso, seria apenas a cortina de fumaça sobre um xuxo monumental.

A grande questão agora não é mais se Trump sabe o que faz – mas se o mundo aguenta o custo de sua imprevisibilidade. A economia americana está encarecendo seu próprio endividamento por causa do colapso da confiança. A guerra de tarifas virou uma guerra de liquidez. E a bala de prata, antes invisível, agora circula: se a China usar sua posição como credora de forma agressiva, a Reserva Federal poderá ser forçado a intervir em escala inédita para resgatar sua própria moeda.

Portugal conhece esse risco. Foi exatamente esse o cenário que se desenhou entre 2008 e 2011, durante a crise do subprime: o disparo nos juros da dívida, o colapso da confiança internacional e, finalmente, o pedido de resgate. Também nós sentimos o que acontece quando os mercados deixam de comprar títulos – e passam a vender medo. Por isso, sabemos bem: quando o capital perde a fé, nem a soberania resiste por muito tempo.