O tema da violência entre os jovens tem suscitado intenso debate na sequência da famosa minissérie britânica “Adolescência” (2025). A produção centra-se na detenção de Jamie, um rapaz de 13 anos, suspeito de ter esfaqueado uma colega de turma, num momento em que ele terá entrado num estado de fúria e desespero. Entretanto, a série tem sido apresentada como um instrumento didáctico ao serviço de uma pretensa reflexão sociológica sobre “misoginia” e “machismo tóxico” nas redes sociais, com particular alusão à “cultura incel” (subcultura antifeminista de celibatários involuntários).

Todos sabemos que a ficção oferece apenas simplificações da realidade, e até distorções, devendo por isso ser avaliada apenas quanto ao valor artístico. É, portanto, preocupante que obras de ficção sejam transpostas para a realidade, quase como objecto de estudo e como confirmação de tendências sociais. Uma série como esta, no máximo, poderá proporcionar um bom início de conversa. Vejamos, por exemplo, a contracorrente de muito do que tem sido dito: se, de facto, o comportamento do protagonista demonstrou muitos elementos tóxicos, por outro lado, está muito longe de demonstrar traços tipicamente masculinos (alguns daqueles que a tradição clássica cunhou, a saber: autocontrolo, bravura, resistência, temperança, lealdade).

Perante aquele retrato ficcional que toca alguns pontos importantes da vida moderna, importa ressaltar dois factos: primeiro, crimes impulsivos e brutais semelhantes ao retratado, não são a continuidade de uma qualquer energia ou mentalidade patriarcal, mas sim a sua total inversão e perversão; segundo, a estupidez subjacente a tais crimes sempre existiu, e a principal novidade aqui são as redes sociais, responsáveis por aumentar os níveis de frustração, de apatia e de desumanização nas relações, sobretudo nas gerações mais novas.

O adolescente da série, como tantos outros na vida real, vive uma rotina angustiante entre as actividades escolares monótonas, os jogos de computador e a interacção em fóruns online. Como é próprio dos nossos tempos, também ele se transformou numa presa fácil do discurso de vitimização, em vez de enfrentar as adversidades da vida com coragem, bom humor e espírito de superação. Em vez de socialização em actividades do mundo real, a sua necessidade natural de pertença a um grupo exclusivamente masculino leva-o a ceder às facilidades das comunidades digitais, participando em grupos em que, geralmente, falta sabedoria, autenticidade, empatia, honra e compromisso. Em suma, grupos em que todos representam papéis e em que ninguém se conhece verdadeiramente.

Também em Portugal, um caso particularmente repulsivo tem ocupado a atenção mediática. Três jovens, em Loures, alegadamente sequestraram e violaram uma rapariga de 16 anos, tendo depois divulgado o vídeo do crime nas suas redes sociais, perante a passividade e silêncio de dezenas de milhares de visualizadores. A opinião pública tem vindo a interpretar este caso, seguindo o hábito das simplificações da moda, como uma expressão de valores machistas que não foram erradicados da nossa sociedade, incitados também pelo poder das redes sociais.

Sim, é verdade que as redes sociais desempenham aqui um papel chave ao dar protagonismo e poder a indivíduos que numa sociedade mais saudável e equilibrada seriam remetidos à sua insignificância. Mas como a nossa sociedade não é, nem muito saudável, nem muito equilibrada, a imaturidade e a perversão ganham palco privilegiado e dão sensação de impunidade aos seus elementos mais disfuncionais. Acontece que esta disfuncionalidade não nasceu das redes sociais, mas sim da conjugação de vários factores sociais, psicológicos e morais. Ela decorre de todo um contexto de enfraquecimento da autoridade familiar, de feminização da educação e de ausência de códigos morais firmes.

Raparigas e rapazes apressam-se a viver precocemente comportamentos de adultos, sem saberem lidar com as consequências mais duras das suas acções. São superprotegidos onde deviam viver aventura e riscos próprios da etapa do seu crescimento, ao mesmo tempo que são imprudentemente emancipados em esferas que sempre mereceram sensata supervisão familiar. Os pequenos tiranos já não acatam a disciplina e as balizas morais dos mais velhos, pois as lições são aprendidas por imitação no estupidificante TikTok e em outras plataformas similares.

Nessa ilusão de emancipação e livre escolha em qualquer idade, entregues ao seu destino nos domínios mais delicados da vida humana, cometem erros atrás de erros, com a ânsia de saltar para a idade adulta sem ritos de passagem, sem pudor, sem mistério entre os sexos, sem protecção e amor-próprio e, acima de tudo, sem formas de libertar a energia latente, e muitas vezes violenta, que está inscrita na natureza masculina.

Vamos estando cada vez menos familiarizados com a ideia de masculinidade, mas ela é irreprimível. Ela é necessariamente vivida e cultivada em grupo, em desportos colectivos, no campo de batalha, nas forças de segurança, na defesa do bairro e da família, e até na capacidade de fazer vingar os próprios interesses numa negociação difícil. Quando todas estas formas de convívio masculino são abolidas ou feminizadas, e quando os jovens deixam de contar com boas referências que guiem a sua acção então, a partir daí, a violência desordenada poderá brotar das formas mais imorais e desumanas.

Mas, aí, a culpa não será de quem acredita na importância da transmissão do eterno feminino e do eterno masculino, distintos entre si. A culpa será de quem quis abolir todos os limites, regras e tabus, ignorando as funções milenares que estes desempenhavam no equilíbrio social e afectivo em comunidade.

 

Nota pessoal: Por fim, e para que não esqueçamos dos exemplos virtuosos que nos dão esperança nos jovens, gostaria de deixar uma nota em homenagem ao Manuel de Oliveira Gonçalves, que foi assassinado à facada, em Braga, por ter sido um exemplo raro de coragem e responsabilidade, em suma, de verdadeira masculinidade, na defesa de raparigas em perigo. Reconhecer o acto de valentia deste jovem de 19 anos e honrar a sua memória é o mínimo que podemos fazer para compensar a injustiça do terrível desfecho às mãos dos criminosos.