A mobilidade foi, sem sombra de dúvidas, uma das maiores conquistas do século XX. Encurtou distâncias, aproximou territórios e conferiu liberdade e autonomia a milhões de pessoas. Entre todas as inovações que protagonizaram essa transformação civilizacional, o automóvel assumiu um papel central, como instrumento de progresso económico, de inclusão social e na reorganização do território.

A influência da indústria automóvel assume-se de forma absolutamente transversal, sendo difícil identificar um setor económico ou social que não tenha sido, de alguma forma, impactado, direta ou indiretamente, pela sua evolução. Do turismo ao comércio, passando pelo imobiliário, pela agricultura, pela saúde ou pela educação, os efeitos da denominada “Revolução Automóvel” alteraram profundamente a organização do território, a dinâmica das nossas cidades e a forma como as pessoas puderam passar a gerir o seu tempo entre as esferas laboral e pessoal.

Em 2023, a indústria automóvel representava mais de 7% do PIB da União Europeia, empregando cerca de 13,8 milhões de pessoas — 6,1% do total de postos de trabalho na UE.

Contudo, como qualquer inovação estruturante, o automóvel também trouxe desafios. A sua massificação provocou problemas nas áreas urbanas, como congestionamento do transito, escassez de estacionamento, sinistralidade e uma crescente pegada ambiental. Hoje, perante a emergência climática e os objetivos da transição energética, impõe-se repensar o automóvel, o seu uso, a sua função e o seu lugar no modelo da Mobilidade do futuro.

Esse futuro exigirá um sistema mais interligado, eficiente e sustentável, onde diferentes modos de transporte se articulem num ecossistema multimodal e responsável. O automóvel continuará a ter um papel relevante, mas integrado num modelo mais diversificado.

A eletrificação é uma etapa incontornável. No entanto, representa apenas uma parte da solução, e não a solução total. Apostar numa única via tecnológica é seguramente um enorme risco e poderá comprometer a sustentabilidade do ecossistema industrial automóvel europeu, com efeitos diretos na competitividade, no emprego e na coesão territorial.

Da mesma forma, não podemos ignorar que a mobilidade individual é uma das grandes conquistas sociais do último século. Representa muito mais do que deslocação: é acesso, liberdade, dignidade. Por isso, não podemos aplicar receitas uniformes a realidades profundamente distintas. Se nos grandes centros urbanos faz sentido reforçar alternativas ao automóvel particular, em vastas áreas do interior e de baixa densidade populacional, o automóvel continua a ser a única resposta viável, e, muitas vezes, a única e efectiva garantia de inclusão e de equidade territorial.

A transição deve ser conduzida com equilíbrio e visão. Sustentabilidade ambiental, porque não há futuro sem planeta; sustentabilidade económica, porque, sem empresas viáveis não há inovação nem investimento, nem emprego; e sustentabilidade social, porque nenhuma transição é justa se deixar pessoas ou territórios para trás.

O automóvel moldou o século XX. Hoje, cabe-nos moldar o seu papel no século XXI. Não como obstáculo, mas como parte ativa da solução para uma mobilidade mais inteligente, mais verde, mais inclusiva e, acima de tudo, mais humana.