Ao concluir-se o marco dos cem primeiros dias do segundo mandato de Donald Trump, em 30 de abril, evidencia-se uma transformação geopolítica profunda: a progressiva erosão da centralidade americana no sistema internacional e a consequente exposição das vulnerabilidades europeias.

A reorientação estratégica dos Estados Unidos, marcada pela inconstância em compromissos históricos como a NATO, revela uma realidade inegável: a Europa, por décadas ancorada na tutela norte-americana, carece de uma capacidade autônoma de defesa proporcional aos desafios de um mundo em transição. A dependência excessiva de garantias externas, outrora confortável, revela-se hoje um fardo estratégico que compromete a própria margem de manobra e soberania do continente.

Ao mesmo tempo, a confrontação crescente entre Washington e Beijing redefine a lógica das alianças globais. A China, em ascensão firme, não apenas projeta sua influência econômica e tecnológica, mas se consolida como protagonista na reorganização das instituições internacionais. Nesse novo cenário, a Europa corre o risco de tornar-se espectadora de uma disputa de gigantes — sem instrumentos adequados para proteger seus interesses fundamentais.

As consequências já são palpáveis. A instabilidade gerada pelas disputas comerciais, as tensões sobre cadeias de fornecimento tecnológico e a degradação dos mecanismos multilaterais afetam diretamente a prosperidade europeia. No campo político, a fragmentação interna do continente é intensificada pela sensação de vulnerabilidade e pela ausência de uma estratégia comum robusta.

A verdade, cada vez mais difícil de ignorar, é que a Europa não poderá construir um futuro seguro limitando-se a esperar por uma mudança de curso em Washington. A preservação da autonomia europeia — econômica, militar e diplomática — exige investimentos decididos, integração estratégica e uma visão de mundo menos dependente da lógica transatlântica tradicional.

A experiência destes cem dias aponta para uma conclusão inescapável: num sistema internacional caracterizado pela competição estratégica aberta e pela fragmentação de poder, a hesitação é um luxo que a Europa já não pode se permitir.

Como advertiu o estadista brasileiro Carlos Lacerda, “os ousados terão por recompensa o futuro.” À Europa, neste momento histórico, cabe decidir se abraçará a responsabilidade de moldar seu próprio destino — ou se se resignará a viver à sombra das escolhas de outros. O mundo não suportará uma nova Guerra Fria.