Se Fawlty Towers tivesse tido uma temporada extra sobre política britânica, Nigel Farage teria entrado como personagem residente — talvez um cliente permanente, queixoso do pequeno-almoço continental e sempre pronto a mandar abaixo “Bruxelas”, mesmo que se tratasse apenas da couve-de-bruxelas do prato do dia. Também poderia ter brilhado em Yes, Minister, a protestar contra regulamentos europeus sobre o formato das bananas, enquanto fumava às escondidas num corredor de Whitehall. O problema é que Farage não é uma personagem cómica: é real. E está perigosamente vivo na política britânica e europeia.

Com a pinta de um vendedor de seguros de Kent ou de um capitão reformado do exército colonial, Farage aprecia cerveja morna em pubs do countryside britânico, fuma com a solenidade de quem acha que isso ainda é um acto de rebelião, e discursa com uma eloquência popular cuidadosamente ensaiada — uma mistura de pub, panfleto e indignação vintage. Há nele uma teatralidade quase cómica, mas perigosa, como se tivesse estudado num velho manual de “como parecer genuíno ao povo” impresso em 1952 e nunca revisto.

Tudo nele é encenação: o sotaque, os gestos, a rabugice patriótica. Mas é precisamente essa mise-en-scène que o torna eficaz — porque parece espontâneo, quando na verdade é apenas um excelente actor de feira política. Mas o que o torna eficaz é que, por detrás da encenação, existe uma estratégia: mobilizar o mal-estar, dramatizar a perda, e vender identidade como quem vende apólices — com promessas fáceis e letras miudinhas perigosas.

Durante anos, Farage foi tratado como um excêntrico de província com boa televisão. Mas foi ele quem impôs à política britânica a mais disruptiva mudança da sua história recente: o Brexit. Não o fez a partir de Westminster, mas dos bastidores — dos estúdios de rádio, dos palcos da indignação digital e das feiras agrícolas onde prometia “devolver o país ao povo”. Hoje regressa com o Reform UK, partido nascido dos escombros do UKIP, para disputar o espaço deixado vago pela implosão dos Conservadores.

Como sempre, aparece com o seu sorriso cínico e a retórica empacotada em chavões patrióticos. Propõe uma “reforma total” da política britânica, mas o que oferece é um manual de ressentimento com capa de Union Jack: fechar fronteiras, desfazer instituições, destruir o que resta do consenso social. O seu nacionalismo é de caricatura — uma mistura de Churchill mal lido, tablóide de domingo e teoria da conspiração reciclada no balcão do pub.

“O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”, escreveu Samuel Johnson. Farage não apenas se refugia no patriotismo — construiu nele uma casa de campo, um programa político e uma estratégia de marketing.

As sondagens mais recentes colocam o Reform UK em rota de colisão com os Conservadores, especialmente no norte de Inglaterra, onde bastiões trabalhistas se viram órfãos de representação. A eleição de vereadores nas autárquicas foi apenas o começo. Farage antecipa, com a imodéstia de sempre, uma tomada da direita britânica por uma versão raivosa e simplificada do thatcherismo, sem ideias, mas com slogans.

A sua ligação com Donald Trump é antiga e profunda. Farage participou nas três campanhas presidenciais de Trump — 2016, 2020 e 2024 — como conselheiro informal, embaixador oficioso da nova direita anglo-americana e especialista em indignação. Ambos partilham a mesma obsessão pela soberania, a mesma desconfiança pelas instituições multilaterais, e a mesma arte de transformar frustração em espectáculo. Um é o reflexo grotesco do outro.

Este alinhamento deve alarmar seriamente a Europa. Com Donald Trump reeleito para um segundo mandato, e já a exigir que os aliados europeus “paguem a sua parte” na NATO — sob pena de se verem sozinhos face a ameaças externas —, qualquer esforço coordenado de defesa colectiva encontra-se em risco. Trump ameaça impor tarifas agressivas sobre produtos europeus e, com a leveza de um imperador entediado, já insinuou que os Estados Unidos deveriam “olhar para o Canadá” como extensão natural da sua influência — um país onde, curiosamente, Carlos III também é Rei, como no Reino Unido.

Num cenário em que Londres se alinha com este isolacionismo trumpista, sob a influência de figuras como Nigel Farage, a Europa não enfrentaria apenas um parceiro difícil — enfrentaria um flanco ocidental instável, radicalizado e cada vez mais imprevisível. Mesmo fora da União Europeia, o Reino Unido continua a ser um pilar da arquitectura de segurança europeia. A sua deriva política teria consequências reais para a coesão atlântica e para a autonomia estratégica do continente.

Mas Farage não é um caso isolado. É apenas a versão britânica de um vírus político que se espalha pelo continente. Em França, Jordan Bardella — herdeiro da dinastia Le Pen — lidera nas sondagens, jovem e polido como um gestor de start-up, mas com o mesmo programa reaccionário. Em Itália, Giorgia Meloni governa com uma prudência táctica que esconde um ADN ideológico “radical”, embora se distinga por uma inteligência política que falta a muitos dos seus congéneres. Meloni compreendeu que se governa com compromissos — Farage continua convencido de que se lidera com memes e frases feitas para estampar em t-shirts.

Na Roménia, o partido AUR prepara-se para entrar no governo com um programa nacional-católico agressivo; na Alemanha, a AfD desafia a ordem constitucional e domina no leste; na Suécia e na Finlândia, os Democratas Suecos e os Verdadeiros Finlandeses participam já em coligações governativas; na Eslováquia, Fico regressou ao poder com o apoio da extrema-direita; em Portugal, o Chega alimenta-se da crise e das redes sociais, crescendo de eleição para eleição. Até na Áustria e na Bélgica, forças extremistas disputam o centro do poder com um discurso que mistura vitimização nacional e nostalgia etnicista.

A extrema-direita não é já uma ameaça potencial — é uma realidade institucional em muitos países da União Europeia. E partilham uma linguagem comum: anti-imigração, anti-UE, anti-“elite liberal”, com variações locais e o mesmo instinto de ataque à moderação democrática. Farage é um elo importante desta cadeia: um agitador profissional, carismático, incansável, que molda o debate mesmo quando não tem votos.

O que está a acontecer no Reino Unido não é apenas um rearranjo partidário. É uma mutação cultural profunda. Farage não inventou o mal-estar britânico — apenas o recolheu, destilou e vendeu engarrafado. A sua força vem da falência moral e estratégica das elites políticas britânicas, incapazes de oferecer pertença, rumo ou sequer estabilidade. E o que propõe em troca é o equivalente político de um brinde de pub às três da manhã: ruidoso, incoerente, e com cheiro a ressaca.

Durante anos, as elites europeias riram-se de Farage. Gozaram dos seus discursos no Parlamento Europeu, trataram-no como uma anedota barulhenta. Mas ele venceu. E o riso de ontem é a angústia de hoje. A resposta ao fenómeno Farage não pode ser condescendência nem histeria. Deve ser inteligência política, coragem cultural e capacidade de reconstruir um contrato democrático que inclua os excluídos sem ceder aos que os odeiam.

Farage é o fantasma do Império, a nostalgia embriagada de um poder que já não existe. Mas o perigo não é ele. O perigo é o número crescente de britânicos dispostos a segui-lo — com bandeiras, slogans e ressentimentos — para dentro de um passado que nunca foi tão glorioso como gostam de imaginar. Cabe-nos, com lucidez e firmeza, impedir que esse fantasma se torne carne — nem em Londres, nem em parte alguma da Europa.