Após dois sismos na região de Lisboa e um apagão geral em menos de 1 ano, comecei a dar mais atenção ao kit de emergência que comecei a criar há poucos meses. Doze horas sem eletricidade foram suficientes para mostrar a nossa total dependência à rede energética e a enorme vulnerabilidade. Incapaz de estabelecer comunicações e isolada de familiares e amigos, tive tempo suficiente para refletir, sem me sentir submergida pela quantidade diária de mensagens do mundo exterior.

Em criança, assisti a inúmeras séries ou filmes que retratavam a ameaça nuclear da guerra fria, na década de 60, e que forçou as pessoas a prepararem medidas de emergência como refúgios subterrâneos, caixas de primeiros-socorros, máscaras de gás e instruções sobre como sobreviver aos primeiros dias de um desastre nuclear.

Nesses dias, a ameaça de uma guerra nuclear iminente era real. Hoje em dia, não sabemos qual será a próxima ameaça, pois elas adquirem múltiplas formas. As origens do apagão da Península Ibérica ainda não estão totalmente esclarecidas, embora não consiga deixar de me interrogar como ocorreu numa altura propícia para o caos, no pior dia da semana, quando milhões já tinham saído das suas casas para os locais de trabalho.

Independentemente das suas causas, o apagão ilustrou bem as desigualdades sociais, tal como a pandemia já o tinha evidenciado de forma tão clara em 2020. Se por um lado, as pessoas mostraram algum alívio por se libertarem da dependência tecnológica e usufruírem mais do tempo de lazer, com leitura, passeios em jardins e vida de bairro, por outro lado, milhares viram-se sem alternativas, incapazes de regressar a casa, estando completamente dependente de transportes públicos que deixaram de funcionar, como metro e comboios. Entre a população mais idosa, empobrecida e vulnerável, dominaram os sentimentos de insegurança e medo. Entre a população ativa e qualificada, refletia-se sobre uma maior qualidade de vida e socialização perante a impossibilidade de estarmos conectados.

Seja de que tipo for, qualquer desastre irá sempre expor estas fraturas sociais e tremendas desigualdades, tornando a experiência ainda mais absurda. De que serve recuperar termos como “vida em comunidade” ou usufruirmos do luxo de um total desligamento, se tantos à nossa volta se veem condenados a uma enorme aflição? Quanto a mim, continuarei a completar o meu kit de emergência de modo a estar mais preparada para enfrentar este mundo divisivo e angustiante.