O avanço acelerado da Inteligência Artificial (IA) e das novas tecnologias tem transformado profundamente o ambiente laboral em todo o mundo. Essa transição, embora repleta de oportunidades, também suscita preocupações éticas, conforme revela Ethics at Work: The future of the workplace, o segundo relatório do estudo trienal Ethics at Work: 2024 international survey of employees conduzido pelo Institute of Business Ethics.
Este estudo realizado em 16 países, incluindo Portugal, explora as principais apreensões dos colaboradores em relação ao futuro do trabalho em nove problemáticas, designadamente, o uso da IA, automação, conduta ética organizacional e mudanças nas relações interpessoais no contexto profissional. Revela que os trabalhadores estão cada vez mais preocupados com as implicações éticas da IA e da automatização no trabalho, destacando uma força de trabalho cada vez mais ansiosa com o impacto da tecnologia e uma lacuna significativa entre estas preocupações e a preparação organizacional. Mas não só.
São duas as principais preocupações globais: a) utilização indevida da IA para comportamentos não éticos (48%) – com um quarto dos inquiridos a dizer que estão “extremamente preocupados”; b) máquinas automatizadas ou IA a substituir pessoas no trabalho (46%) – com 24% a dizer que estão “extremamente preocupados”.
Outros receios incluem a perda de ligações interpessoais e a discriminação, com mais de um terço dos trabalhadores preocupados com as nove questões enumeradas – um aumento significativo desde 2021. Preocupações adicionais com incremento significativo incluem níveis crescentes de comportamento pouco éticos devido às novas tecnologias e aos novos requisitos do trabalho/competências devido à digitalização, ambos com um aumento de cinco pontos percentuais.
No entanto, o apoio organizacional está a ser insuficiente. Apenas 30% dos trabalhadores a nível mundial têm conhecimento da existência de diretrizes ou normas específicas sobre ética na utilização de IA, em comparação com 71% que conhecem normas escritas de conduta empresarial ética.
A sensibilização difere muito por sector – mais elevada nas TIC (54%) e nas Finanças (45%) e (preocupantemente) mais baixa na Saúde (20%) – e por país, variando entre 68% na Índia e apenas 17% no Japão … e 24% em Portugal. Esta lacuna mostra que muitas organizações ainda não estão a apoiar os trabalhadores a lidar de forma responsável com o rápido crescimento da IA.
Em Portugal, os resultados refletem o mesmo padrão global de inquietação e indicam que estamos atentos e preocupados com os impactos éticos das novas tecnologias. Os aspetos que mais nos preocupam são: utilização indevida IA ao serviço de comportamentos pouco éticos, como discriminação e violações de privacidade (61%); substituição de pessoas por equipamentos automáticos ou IA (54%); perda de interações interpessoais devido ao aumento do trabalho híbrido (54%) e às novas tecnologias (53%).
Este estudo revela um desalinhamento entre o ritmo da inovação tecnológica e a capacidade das organizações de fornecer orientações éticas claras aos seus colaboradores. Essa lacuna pode comprometer a confiança no ambiente organizacional e afetar a integridade das relações de trabalho.
O relatório conclui que as organizações com uma cultura ética robusta são mais resilientes e eficazes, especialmente em contextos de mudança tecnológica. A presença de códigos de ética, formação contínua, canais de denúncia e apoio à tomada de decisão ética está fortemente correlacionada com maior satisfação dos trabalhadores, maior envolvimento e melhores práticas de governo e de gestão.
O fortalecimento da cultura organizacional ética representa uma oportunidade estratégica. Ao promover ambientes de trabalho orientados por valores, capazes de dar respostas concretas às incertezas levantadas pela IA, as organizações podem posicionar-se como empregadoras de referência num cenário em rápida transformação. Estes resultados apontam para a necessidade urgente de integração da ética nas estratégias de transformação digital, por exemplo através de espaços seguros de reflexão com e sobre ética.
O futuro do trabalho dependerá, em grande medida, da capacidade das organizações de equilibrarem inovação com responsabilidade e de colocarem os valores humanos no centro das decisões tecnológicas.