Estamos à beira das eleições. Leem-se os programas eleitorais e há razões de insatisfação. Há urgência numa mudança de paradigma, pensar de outra maneira, informar o agir com esse pensar, mas, percorridos os programas eleitorais, as medidas estão recuadas face ao que precisaríamos. Alguns partidos aproximam-se um pouco, mas a medo, do que teria de ser assumido. Tenho onze ideias e uma condição imperativa.

  1. É aflitiva a timidez como se enfrenta a emergência climática, o aumento das emissões de C02 bateu um novo record em 2024, com as consequências cientificamente mais que demonstradas para o aquecimento global. Sabemos muito, mas propomo-nos fazer muito menos. Há um “gap” inexplicável, e aventuramo-nos colectivamente numa lotaria, uma espécie de fé que em vez de dar a ver, dispensa os olhos e os demais modos de sentir para se obstinar na ideia de que alguma coisa há-de surgir.
  2. A lógica do crescimento persiste como uma vaca sagrada em todos os programas. Colocam-se pensos adesivos, crescimento ecológico, crescimento sustentável, crescimento com mais justiça social, seja entre contemporâneos ou entre gerações, mas é sempre aumento de produção o que se quer. Uma mudança de paradigma tem de quebrar este tabu. Pode não ser decrescimento, pode ser apenas pós-crescimento, a ideia de que há-de ser possível conceber uma economia saudável quer não envolva crescimento, ou indo um pouco mais longe, perceber que uma economia dependente de crescimento não é saudável. Independentemente das palavras, é preciso parar de ver no aumento de produção, na urgência de sempre crescer, a solução para os problemas, muito menos um desígnio. Até podemos não perder essa palavra com tanto a dizer, e resgatar um crescer que seja entendido como amadurecer, em vez de crescer para cima, gráficos de derivada positiva, um pouco como se pensássemos o crescimento como o de crianças, que com grande entusiasmo vêm os centímetros mais que os seus corpos ganham todos os anos. Urge um crescer adulto, que ligue melhor a comunidade em vez de se obstinar na fuga em frente. Um crescimento que interprete o desenvolvimento como mais envolvimento. Não há outra sustentabilidade sustentável.
  3. Falta um programa eleitoral que assuma de vez um rendimento básico incondicional. Não é prometer que se vai fazer uma experiência – a sociedade não é um laboratório! Aliás, a proposta deveria ser transversal à sociedade, um RBI que chegasse a todos os mais jovens para interromper o ciclo de violência social que é, para muitos – a grande maioria! – não poder escapar à precariedade, ao salário de 1000 euros, à partilha de casa, ao adiamento dos projectos fundamentais de uma vida adulta.
  4. E uma política do fazer juntos que não seja regulada pela dominação social que amarfanha uma esmagadora maioria da população activa, tantos terem de trabalhar grande parte das suas vidas apenas para ganhar o rendimento que lhes permita sobreviver sem quase espaço nenhum para fazer o que os realizaria. Por isso, digo política do fazer juntos e não do trabalho. Para que se possa manter a palavra “trabalho”, não haja dúvida de que é preciso revolucionar a maneira como o concebemos. Deixar o trabalho da produtividade às máquinas e fomentar, com incentivos plasmados em políticas públicas corajosas, para as pessoas o trabalho relacional, que liga as comunidades, seja o fazer criativo, o fazer comunitário, o fazer que cuida.
  5. Uma política de tempo que dissolva as desigualdades acumuladas, que não as transmita às gerações subsequentes e que valorize o tempo cíclico e o direito de todas as gerações chegarem ao seu tempo como se tudo começasse outra vez. O presente não pode sequestrar o futuro.
  6. Uma política de memória que devolva a soberania do presente aos contemporâneos, em vez de os tornar passivos receptores do passado e de interpretações passadas do passado. O passado é nosso na medida em que dele nos apropriemos. De outro modo, nós é que somos marionetas do passado. O passado não pode sequestrar o presente.
  7. Promover uma comunidade de singularidades, em que não se veja os outros como identidade ou o seu contrário, mas todas as pessoas como singularidades e que se perceba que essa incomensurável singularidade entre todas as pessoas é a razão mais profunda para defender a igualdade. A igualdade é a condição do convívio dos singulares. E o convite à singularização que faz uma sociedade resiliente e com sentido.
  8. Uma política dos lugares, que faça do território nacional uma constelação de lugares bons de viver, como uma diversidade de modos de estar que é preciso preservar e regenerar ecologicamente. Uma política de lugares tem de ser também uma cultura de lugares, com os seus hábitos que se habitam, o seu lento processo de singularização, lugares que são de comunidades mais amplas, em que a colina e o riacho, os animais e as árvores também são parte.
  9. Uma política de bem comum, que se pense com uma vontade comum além de mera gestão dos recursos e do apequenamento da política como barganha do escasso. Além da justiça, sempre necessária, urge nutrir a alegria suficiente para imaginar futuros juntos e que, nisso, o mais importante é imaginar o significado de “juntos”.
  10. Uma política de migração que nos imagine a todos como migrantes, universalmente migrantes nas vidas que levamos e que, assim, nos compreendamos melhor quando acontece uns serem mais migrantes e outros não. Não há política do cuidado que não traga dentro a consciência de que somos sempre, de alguma maneira, estrangeiros. Acolhermos é uma política da atenção connosco próprios.
  11. Urge também uma política convicta da irracionalidade da guerra, que recuse em absoluto qualquer perspectiva que forçasse os nossos filhos a empunhar uma arma contra os filhos de outros, seja noutro lado desta Europa ou em qualquer parte. O pacifismo é como o anti-racismo. Não tem meias palavras.
  12. E enquanto não se assumir, preto no branco, que Gaza é sinónimo de genocídio, nenhuma das onze ideias atrás vive bem. Nada é possível, de consciência limpa.

Estas são ideias para um programa eleitoral da destimidez da política, para um bom viver juntos.