Na manhã de 28 de abril de 2025, a Península Ibérica sofreu um apagão total — o mais grave de que há memória. Teria sido possível evitá-lo? Não. O sistema elétrico, apesar de ser o mais complexo e sofisticado das infraestruturas modernas, não é, nem pode ser, 100% fiável.
Não há sistemas com risco de colapso zero, porque isso obrigaria a um investimento brutal, incomportável e socialmente inaceitável porque os consumidores nunca estariam dispostos a pagá-lo. O sistema elétrico é projetado com critérios de segurança muito exigentes, mas sabendo que há sempre um risco mínimo, quase zero, de o sistema colapsar. E esse risco concretizou-se.
As causas ainda são desconhecidas, mas parecem estar ligadas a um evento raro que provocou uma perda súbita de potência, a qual levou a uma cascata de saída de serviço de elementos da rede, culminando no colapso do sistema. A elevada penetração de renováveis na Ibéria — cerca de 65% em 2024 — pode ter contribuído. As renováveis, fundamentais na luta contra as alterações climáticas, introduzem variabilidade e desafiam a operação da rede. Apesar disso, não há alternativa à descarbonização. A resposta não é recuar, mas sim adaptar a infraestrutura a esta nova realidade, tornando o sistema elétrico mais limpo, seguro, fiável e eficiente.
Recuperar o fornecimento após um apagão total (blackout) é um processo técnico lento, que tem de ser cuidadosamente sequenciado para recuperar o fornecimento em segurança, preservando a estabilidade da rede. Requer centrais com capacidade de arranque autónomo (black start), capazes de operar sem apoio da rede externa, totalmente desenergizada. Estas centrais reativam secções da rede, formando “ilhas” que vão sendo interligadas. Todo o processo exige monitorização constante da tensão e frequência, e explica a lentidão da reposição.
Portugal possuía, à data, apenas duas centrais black start. Ter mais teria acelerado o processo, mas o investimento necessário é elevado e, até agora, pouco justificável dada a raridade destes eventos. Sabemos agora que esse reforço estava em curso — infelizmente, chegou tarde. É fácil exigir medidas depois do incidente, mas difícil justificar investimentos dispendiosos para prevenir eventos altamente improváveis.
Apesar de eventos como este serem raros e difíceis de evitar, há medidas que aumentam a resiliência da rede a perturbações menores, evitando que escalem. Entre elas: a) inversores com capacidade de grid-forming, capazes de estabelecer tensão e frequência de forma autónoma, como se fossem máquinas síncronas; b) baterias de resposta rápida, que fornecem inércia sintética e apoio à frequência; c) mecanismos de capacidade, que remuneram centrais térmicas a gás natural para estarem disponíveis em regime de prontidão, mesmo que só operem pontualmente, em situações de perturbação na rede.
Entretanto, surgiram duas ideias erradas.
A primeira: que o apagão se deveu ao facto de as empresas concessionárias das redes de transporte (REN) e distribuição (E-Redes) não serem públicas. Falso — o restabelecimento foi conduzido por técnicos da REN e da E-Redes altamente qualificados, independentemente da natureza jurídica das empresas onde trabalham.
A segunda: que a rede teria resistido melhor ou recuperado mais depressa se as centrais a carvão ainda estivessem em operação. Falso — centrais térmicas, a carvão ou nucleares, não teriam evitado o apagão, em Espanha não evitaram. Acresce que as centrais a carvão que foram encerradas não estavam equipadas com sistemas de black start. A central usada na reposição foi uma central a gás natural com tecnologia idêntica.
O apagão de 28 de abril não foi o colapso de um sistema falhado — foi a exceção que confirma a robustez de um sistema que opera com fiabilidade quase total. Mas foi também um alerta: quanto mais exigente é a transição energética, maior é a responsabilidade de garantir que ela assenta numa infraestrutura resiliente, previsora e tecnicamente preparada para o imprevisto.