A aprovação do Relatório “Um orçamento de longo prazo melhorado para a União num mundo em mudança” pelo Parlamento Europeu (PE) assinala o início do processo para a definição do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) nos trabalhos parlamentares.

A guerra na Ucrânia, as alterações na política externa dos Estados Unidos da América (EUA), o clima de guerra comercial que se avizinha, a perda de competitividade do bloco europeu face aos principais competidores, como os EUA, a China, a Índia, o impacto cada vez maior das catástrofes naturais e as crescentes ameaças internas e externas aos sistemas democráticos evidenciaram fragilidades do projeto europeu e exigem respostas adequadas, também em termos orçamentais.

Neste contexto marcado pela incerteza, o próximo QFP deve ser um sinal de estabilidade, alavancar o desenvolvimento económico sustentável, reduzir assimetrias entre regiões, incentivar o investimento privado e desbloquear todo o potencial de inovação que existe na UE, fomentando a atração de novos talentos. Espera-se, igualmente, que o próximo orçamento de longo prazo seja mais simples, mais transparente e com um maior efeito multiplicador por cada euro investido.

Dadas as circunstâncias, a conceção do próximo QFP é um dos pontos centrais da presente legislatura, mas será um processo complexo, um verdadeiro desafio hercúleo. Torna-se necessário conciliar a manutenção, e nalguns casos o reforço, dos níveis de financiamento das atuais políticas, nomeadamente os fundos de coesão, os fundos para a agricultura, o Erasmus+, o Horizonte Europa e o Programa a favor do Mercado Único, com o investimento nas novas prioridades políticas da UE, particularmente a competitividade, a preparação e a resposta a crises, a segurança e defesa, e com o pagamento dos empréstimos que foram feitos para financiar o “NextGenerationEU” e os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) nacionais.

O próximo QFP tem de responder eficazmente aos desafios que a UE enfrenta e às aspirações dos cidadãos e das empresas e deve salvaguardar os interesses financeiros dos contribuintes europeus, no entanto, os desafios que se apresentam para a sua definição são múltiplos.

Face ao que tem transparecido sobre a futura proposta que a Comissão Europeia (CE) irá apresentar para o QFP, em termos da sua arquitetura, prevê-se que a CE proponha uma significativa, mas benéfica, redução do número de programas, passando de mais de 50 para cerca de 20, de forma a diminuir a, atual, fragmentação do financiamento em certas áreas e a simplificar o acesso aos fundos pelos beneficiários finais.

No entanto, a proposta da CE para a criação de um plano nacional único por Estado-Membro, nos termos que têm sido veiculados, com uma possível junção dos vários envelopes nacionais e tomando como base a filosofia dos PRR, que condiciona o desembolso dos fundos ao cumprimento de marcos e objetivos ligados a reformas, não pode ser a base para os programas de gestão partilhada pós-2027, devido às deficiências que têm sido apontadas na aplicação dos PRR: falhas no controlo da execução, falta de informação sobre o impacto e os custos reais das medidas e dificuldade em recuperar verbas utilizadas indevidamente. A recente análise do Tribunal de Contas Europeu à implementação do “NextGenerationEU” foi contundente nestas temáticas.

O anunciado Fundo para a Competitividade tem de ir além da fusão de vários programas bem-sucedidos num grande fundo. Colmatar o diferencial de competitividade que existe entre a UE e os seus principais concorrentes, requer mais do que aumentar o investimento público. Este fundo deve ser baseado no modelo do InvestEU, tirando partido de diversificadas fontes de financiamento, incluindo subvenções, empréstimos e capital próprio, alavancando o investimento privado para permitir às empresas, em fase de arranque e em expansão, acesso mais fácil a financiamento. Deverá, também, investir na inovação, salvaguardar a integridade do mercado único e promover a autonomia estratégica da UE, garantindo que existe um level playing field para as empresas em todos os Estados-Membros.

Quanto ao investimento em segurança e defesa, existe uma clara necessidade de avançar para uma verdadeira União da Defesa, em particular no que se refere à aquisição conjunta e ao desenvolvimento de capacidades de defesa comuns, em coordenação com a NATO e no pleno respeito das preocupações dos Estados-Membros. Este objetivo pode ser alcançado através do aumento do investimento em defesa, fundindo os programas existentes numa rubrica específica do QFP.

No entanto, os interesses dos Estados-Membros que, atualmente, são grandes produtores de material militar, conjugados com o Princípio de Soberania dos Estados-Membros na Defesa, não deixam antever um percurso fácil. Além disso, a estrutura existente na UE não consegue definir caminhos a seguir. A aposta em equipamentos de duplo uso é um tema que, atualmente, granjeia aceitação entre os Estados-Membros.

Em termos de preparação e resposta a crises, é fundamental criar uma verdadeira cultura de preparação em todas as políticas da UE, garantindo verbas adequadas para a prevenção e resposta a crises e catástrofes, manifestando a solidariedade europeia. Além do reforço financeiro de programas, como o Mecanismo Europeu de Proteção Civil, é fundamental criar maior flexibilidade interna no orçamento, alocando margens e reservas suficientes para que exista capacidade para acomodar necessidades extraordinárias. O recente apagão manifestou que é preciso trabalhar mais, melhor e de forma mais rápida neste capítulo.

Por outro lado, é crucial reforçar o papel e a presença da UE no mundo, reforçando o instrumento de financiamento de política externa da União, Europa Global, garantindo, simultaneamente, a promoção da cooperação e o apoio a países parceiros em matéria de desenvolvimento sustentável, a disseminação dos princípios da UE e o acesso a matérias-primas críticas e a mercados emergentes.

Para que a ação da UE corresponda ao nível de ambição, é fundamental que seja dotada de recursos financeiros adequados, abandonando o “dogma do 1% do RNB” da UE, como limite do orçamento.

No entanto, importa salvaguardar que os cidadãos europeus e as gerações futuras não são prejudicados com mais impostos nem com cortes nas atuais políticas da UE. A solução passa pela diversificação das fontes de receita da UE, introduzindo novos e genuínos recursos próprios para o orçamento da União, de modo a permitir, simultaneamente, a redução das contribuições dos orçamentos nacionais para o orçamento da UE.

Assim, além das propostas apresentadas pela CE, em 2021, ou seja, a taxação das receitas do comércio de licenças de emissão de gazes com efeito de estufa, as receitas geradas por um mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço e a tributação de uma parte dos lucros das empresas multinacionais, devem ser estudas outras fontes de receita com a taxação de setores que, atualmente, não contribuem ou contribuem muito pouco para o orçamento europeu, de modo a que o necessário reforço orçamental não seja feito através de mais impostos, não sobrecarregando os contribuintes europeus.

Por outro lado, é necessário simplificar o orçamento da UE, permitindo um acesso mais célere ao financiamento da UE, garantindo que o dinheiro chega à economia real, o mais rápido e com o menor custo administrativo possível, reduzindo a complexidade no acesso a fundos. O excesso de regulamentação e de burocracia para os beneficiários finais dos fundos da UE precisa de ser significativamente reduzido. É, igualmente, necessário uma maior transparência orçamental, melhor responsabilização, escrutínio e controlo das despesas e redução do risco de duplo financiamento, utilização indevida e fraude.

O próximo QFP tem de ser realmente um orçamento de investimento, capaz de alavancar o financiamento privado, dinamizar a economia europeia e promover a coesão social e territorial, respondendo às aspirações dos nossos cidadãos e empresas. Precisamos de um orçamento que transforme a UE num verdadeiro ator global.