A Cidade como Plataforma de Serviços ao Cidadão

De um momento para o outro, todas as urbes são “cidades inteligentes”. O conceito de Smart City tem vindo a consolidar-se como visão de cidades mais eficientes, sustentáveis e conectadas. Com a massificação de sensores, “big data” e inteligência artificial, os serviços e empresas municipais passaram a recolher e utilizar informação em tempo real para optimizar o tráfego, melhorar a segurança e apoiar a tomada de decisão em vários domínios. Sendo um passo importante, essa abordagem focou-se sobretudo na cidade enquanto sistema técnico e operacional, organizado em “silos” sem integração relevante, sejam eles a saúde, a educação ou os transportes.

Sendo as cidades os principais agentes globais, motores económicos e culturais, cabe-lhes garantir as melhores condições de vida para habitantes e visitantes e de atratividade para o talento e investimento. São as cidades quem melhor conhece os residentes, as comunidades e empresas locais e é na cidade que os munícipes confiam serviços críticos de proximidade, num contexto de alterações demográficas que incluem novos habitantes de língua estrangeira ou o envelhecimento da população.

CaaS, a cidade inteligente 2.0

A visão da “Cidade como Serviço” (CaaS) surge como uma natural evolução da Smart City. Enquanto o conceito de Smart City se centrou na eficiência operacional e na modernização da infraestrutura, a ideia de “Cidade como Serviço” (CaaS) re-imagina a cidade como um prestador integrado de serviços essenciais ao cidadão, acessíveis através de uma interface digital unificada. Este verdadeiro “Sistema Operativo da Cidade” permite que áreas como saúde, educação e mobilidade sejam não apenas personalizadas de forma preditiva às necessidades de cada indivíduo como também geridas de forma coordenada, assegurando uma orquestração inteligente de todo o ecossistema urbano.

Na cidade CaaS, um idoso pode usar uma única app para gerir o transporte adaptado, o apoio domiciliário, o contacto com o centro de saúde e entrega de medicamentos em casa. No dia a dia, conta com o apoio de uma comunidade de vizinhança activa.

Uma jovem família pode ser automaticamente identificada para acesso a creche, apoio à habitação e alertas de saúde infantil. Os filhos mais velhos são integrados em sistemas de transporte escolar ajustado aos horários, ajudando a reduzir o trânsito.

Novos residentes têm acesso a plataformas que personalizam o ensino conforme as necessidades de cada aluno. Por exemplo, uma família pode usar um portal que sugere atividades extracurriculares, organiza o transporte escolar e recomenda apoio para dificuldades de aprendizagem.

Tudo isto através de uma “super-app” municipal, um “digital buddy” que antecipa estas e outras necessidades e orquestra a melhor resposta.

Investimento reprodutivo

Os ganhos serão significativos. Plataformas de serviços urbanos integrados podem reduzir em até 30% o tempo de espera em serviços públicos e uma poupança de 15 a 20% em custos operacionais. Numa cidade como Lisboa, com uma população de cerca de 550 mil habitantes e um orçamento municipal na ordem dos 1,2 mil milhões de euros anuais, as reduções de custos operacionais são da ordem dos 200 milhões de euros por ano, dependendo do setor e da eficiência alcançada e permitem libertar milhares de horas de trabalho.

A integração digital aumenta o acesso de populações vulneráveis, promove inclusão e equidade e respostas a contextos sociais complexos de envelhecimento populacional e maior diversidade urbana.

Quando acompanhados de uma aposta na inovação, estes investimentos são reprodutivos. As cidades podem atrair talento e investimento ao tornarem-se laboratórios vivos, onde se testam soluções tecnológicas aplicadas aos próprios desafios urbanos — soluções essas que podem depois ser replicadas noutras cidades. Cidades como Helsínquia, Estocolmo e Singapura já avançam nesta direcção. Helsínquia, por exemplo, tem vindo a desenvolver o conceito de “Everything as a Service”, Singapura utiliza gémeos digitais antecipar necessidades, Barcelona tem uma governação digital centrada no cidadão e Amsterdão testa soluções urbanas inteligentes com participação ativa dos residentes.

Apesar de todos os benefícios, o modelo “Cidade como Serviço” também traz desafios. Exige investimentos em infraestrutura tecnológica, redesenho de processos e interoperabilidade. A integração de dados levanta questões de privacidade e segurança, e é essencial garantir que ninguém fique para trás — todos os cidadãos devem ter acesso igual aos serviços digitais.

Um dos riscos mais críticos é a dependência excessiva dos sistemas digitais. Para evitar falhas graves, como o recente “apagão”, é fundamental garantir redundância em todos os níveis. Isso inclui servidores e clouds privadas, redes de comunicação paralelas, backups de dados em tempo real e planos de contingência automatizados que assegurem a continuidade dos serviços essenciais mesmo em situações de falha. As cidades devem operar com o princípio da “falha segura”, em que qualquer interrupção é absorvida sem impacto grave para os cidadãos.

O futuro das cidades

Partido de um conceito de smart city focado na recolha e otimização de informação, actuando em “silos” como mobilidade ou resíduos, a Cidade como Serviço (CaaS) coloca o cidadão no centro, focando-se na entrega de valor, na forma de um serviço integrado da cidade, baseado em processos e serviços que tiram o melhor partido da tecnologia. Uma cidade mais centrada nas pessoas, mais responsiva às suas necessidades individuais e que lhes oferece uma melhor experiência de vida urbana.