Por vezes damos demasiado por adquiridos aqueles valores que demoraram muito tempo a conquistar, através da persistência e do esforço coletivos. Nós, portugueses, devíamos sabê-lo bem, depois de várias décadas na nossa História sem a possibilidade de viver sob um regime político democrático.

Foi no século passado, o que dito assim faz parecer tão distantes como o que se aprende nos manuais escolares, acontecimentos que muitos de nós viveram e que determinaram o presente que todos agora vivemos. Desde o Estado Novo à democracia constitucional que, após o 25 de Novembro de 1975,  nos colocou entre os países verdadeiramente democratas da Europa, desde a entrada nessa mesma Europa através da Comunidade Económica Europeia primeiro, da adesão ao Euro depois, do papel que tivemos como anfitriões para a assinatura do emblemático Tratado de Lisboa, mergulhámos num certo torpor ao nível da participação política que se tem refletido nos números da abstenção nas eleições europeias, como aquelas que agora se aproximam.

Esta semana, tive oportunidade de integrar a Comissão Interparlamentar que levou a Bucareste deputados dos vários países, no âmbito de um seminário sobre o futuro da União Europeia sob a égide da presidência romena da UE neste ano de 2019, ano crucial para o desenho do que será, ou não será, esta mesma União Europeia a partir das eleições de 26 de Maio, cujo futuro depende de múltiplos fatores que se conjugam no que se assemelha a uma tempestade perfeita, entre a ameaça de um hard Brexit, o crescimento dos populismos e extremismos e, em geral, um sentimento de impotência perante a perda de protagonismo e de poder, mesmo do designado soft power, da Europa face à Rússia, aos EUA e à China. Em suma, perante a ameaça de desagregação de um consenso que demorou largas décadas a construir.

Foi por isso muito interessante para mim observar como um país com uma experiência na UE muito mais recente do que a nossa enfrenta os desafios que se avizinham com energia e otimismo. O empenho da Roménia na presidência do Conselho Europeu é algo palpável que demonstra o corte que os romenos fizeram como nação, face ao passado da férrea ditadura de Ceausescu. E a nova etapa que percorrem como país, iniciada com inegável retorno económico e social após a adesão à UE em 2007, deu já origem a uma nova geração de políticos cujo voluntarismo tem como orientação comum a vontade de deixar uma marca que afirme a Roménia num contexto não apenas europeu mas mundial.

Voltarei em futura crónica aos temas concretos que se debateram nesta Conferência. Mas hoje entendo que o que importa ressalvar é aquilo que realcei no início deste artigo: não podemos deixar que o esmorecimento se transforme em adormecimento. Que a Europa seja um adquirido para o que dela recebemos, como uma mesada dos pais que se recebe sem empenho nem provas de merecimento. Pelo menos que esse merecimento, e já não seria pouco, passe pelo empenho de cada cidadão – e de cada político – num futuro comum, demonstrado através do voto e da participação cívica no processo eleitoral.

 

 

Por vezes as oportunidades criadas com o mero propósito mediático jogam contra a mensagem que se pretende passar. O tempo que demorou a viagem de António Costa e da sua entourage da Ericeira a Setúbal tornou ainda mais evidente o problema das interligações nos transportes para os cidadãos comuns. E a fotografia de oportunidade com ar de quem descobre o cartão de passe único pela primeira vez também não aproxima o Governo dos portugueses. Entender o país passa por entender que o país entende muito bem a diferença entre a realidade e um cenário de propaganda.