Estando a decorrer o prazo para a entrega da declaração de IRS, é altura de pegar na calculadora e fazer contas. Para quem arrenda imóveis, quais as contas a fazer? É importante saber quais os gastos que podem ser deduzidos aos rendimentos prediais para calcular o rendimento líquido da Categoria F sujeito a tributação. Como é um tema sempre atual, faço um resumo sobre os entendimentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem vindo a publicar sobre esta matéria e que, não raras vezes, geram controvérsia junto dos contribuintes.

1)      Que gastos podem ser deduzidos?

A lei permite deduzir “todos os gastos efetivamente suportados e pagos” para obter rendimentos prediais, com algumas exceções. Assim, não são dedutíveis:

  • Gastos financeiros;
  • Depreciações;
  • Mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração;
  • AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis).

Por outro lado, são dedutíveis:

  • IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis);
  • Imposto do Selo suportado na participação do contrato de arrendamento;
  • Encargos com o condomínio.

Além disso, podem ser deduzidos os gastos com obras de conservação e manutenção realizadas nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento, desde que o imóvel não tenha sido usado para outro fim.

Rendimento Predial Negativo

Se o rendimento predial for negativo, a perda pode ser deduzida aos rendimentos dos seis anos seguintes. No entanto, este direito desaparece se o imóvel não gerar rendimentos prediais em pelo menos 36 meses dos 5 anos seguintes ao ano em que os gastos foram incorridos.

Mudança de Residência

Desde setembro de 2024, os senhorios podem deduzir as rendas que pagam pelo arrendamento de um imóvel para habitação permanente, mas apenas até ao valor dos rendimentos prediais que obtiverem. Esta dedução apenas se aplica se o senhorio mudar a sua residência permanente para um imóvel a mais de 100 km do imóvel arrendado, que tenha sido a sua residência própria e permanente por pelo menos 12 meses antes da celebração do contrato de arrendamento.

 

Documentação Necessária

Todos os gastos devem estar “documentalmente comprovados“.

 

2)      A interpretação da AT

Apesar da amplitude da redação legal no que respeita aos gastos fiscalmente aceites, continuam a subsistir dúvidas quanto ao tipo de gastos que podem ser deduzidos e em que termos.

Esta é uma matéria sobre a qual a AT tem vindo a publicar várias orientações (i.e., no âmbito das chamadas Fichas Doutrinárias ou “FD”), que apesar de apenas vincularem a AT em relação à situação concreta sobre a qual incidiriam, naturalmente, indiciam a posição que a AT poderá tomar no âmbito de ações inspetivas.

 

Passamos a resumir as decisões que assumem maior relevância:

a)      Despesas com a Celebração do Contrato de Arrendamento

A AT admite a dedução de:

  • Comissões de intermediação e gestão imobiliária, desde que resulte inequivocamente demonstrada “a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com as operações de arrendamento e gestão do imóvel gerador de rendimentos prediais e se encontre devidamente documentada a intervenção do respetivo mediador nos termos legais aplicáveis” (FD n.º 615/2016);
  • Despesas com a emissão do certificado energético (FD nº 1115/2017) salvaguardando, porém, que este encargo não poderá ser (novamente) deduzido para efeitos de cálculo da mais-valia tributável aquando de uma futura venda do imóvel (FD n.º 2000/2018).
  • As despesas com “a inspeção efetuada à instalação de gás do fogão e da caldeira a gás de aquecimento de águas”, mas não as despesas associadas à ligação de eletricidade e água, anteriormente à entrega do imóvel aos inquilinos” (FD n.º 4074/2017).

b)      Despesas com obras

 

Segundo a AT, são apenas dedutíveis:

  • As obras de conservação e manutenção do imóvel arrendado, destinadas a manter o imóvel nas condições originais, tais como as de restauro, reparação e limpeza, distinguindo-se, assim, das obras que contribuam para valorizar o imóvel e que, como tal, apenas deverão ser consideradas para o cálculo da respetiva mais-valia, em caso de venda (FD n.º 2057/2018).
  • As obras que especificamente incidam sobre o imóvel arrendado, com exclusão daquelas que respeitem a “anexos ou garagens” que não constem da respetiva matriz predial, mesmo que esteja pendente a sua regularização (FD n.º 4235/2017).

Sobre a distinção entre obras de conservação e de valorização do imóvel, a AT veio esclarecer que as primeiras não incluem “gastos incorridos com obras de profunda reabilitação urbana que configurem, de facto, uma reconstrução integral”, concluindo assim que os respetivos custos não podem ser considerados para efeitos de apuramento dos rendimentos líquidos da Categoria F (FD n.º 26713/2024). Nesta linha, são despesas de valorização (relevantes para o cálculo da mais-valia no ano de alienação do imóvel, mas não para efeitos de determinação dos rendimentos prediais líquidos sujeitos a tributação) os custos a suportar com a aquisição e colocação de painéis solares (FD n.º 23775/2023).

Ainda no que respeita a obras, a AT veio considerar que as faturas com a compra de materiaisque foram necessários para a execução de obras de conservação num imóvel que está arrendado” apenas serão fiscalmente elegíveis na medida em que resulte comprovado que tal despesa “foi efetivamente suportada pelo locador e se mostre indissociável do imóvel que produz rendimentos prediais, mais concretamente, nas situações em que não existe mão-de-obra associada à despesa, mas tão somente a aquisição de um qualquer material necessário para a conservação do imóvel”. Segundo a AT, essa prova deverá ser feita através de: (i) fatura da qual conste a identificação do imóvel a que os materiais se destinam; e ainda com (ii) “ a confirmação do arrendatário da receção desses materiais e a sua incorporação no imóvel locado por recurso a trabalho do próprio sem intervenção de mão-de-obra de terceiros” (FD n.º 3930/2017).

A AT não esclarece, porém, como poderá ser dado cumprimento ao segundo dos requisitos quando a aquisição do material e a respetiva colocação ocorram em data anterior ao início do contrato de arrendamento.

c)       Outras Despesas

 

São dedutíveis:

  • Despesas com o condomínio, IMI e conservação e manutenção, mesmo que o imóvel seja arrendado apenas parte do ano (FD º 1115/2017 e 1577/2017).
  • As despesas com o seguro de habitação, desde que se trate de seguro obrigatório; não são, assim, dedutíveis os encargos com seguro multirrisco com coberturas facultativas (FD n.º 1115/2017). Fica, porém, por esclarecer se, tratando-se de seguro obrigatório complementado por coberturas facultativas, se fica vedada a dedução dos respetivos prémios, ou se se deverá adotar qualquer outro critério (e qual?) para diferenciar a componente associada às coberturas obrigatórias da parte associada às coberturas facultativas.

 

d)      Devolução da Caução

Tendo a caução sido sujeita a IRS e caso venha a ser devolvida no final do contrato, estabelece a AT que a mesma poderá ser incluída na declaração do IRS do senhorio como “gasto suportado e pago pelo locador/senhorio”. Para o efeito, deve o senhorio dispor de documento, assinado pelo inquilino, onde este “declara que recebeu o rendimento em causa” (FD n.º 731/2018). Considerou a AT que este entendimento se aplica mesmo nos casos em que haja cessão da posição contratual da posição do senhorio, cabendo ao novo locador (e não ao locador originário) deduzir a caução devolvida ao inquilino (FD n.º 26360/2024).

 

e)      Reporte de Perdas

A AT reviu recentemente (FD n.º 21552/2023) o seu anterior entendimento sobre o reporte de perdas, esclarecendo que o mesmo não depende de englobamento, em linha com várias decisões do tribunal arbitral que concluíam que, efetivamente, tal exigência não decorria da letra da lei.

Seria bom que as liquidações de IRS fossem consistentes com o que resulta da lei e, agora, com o próprio entendimento da AT, permitindo um offset automático das perdas de anos anteriores com rendimentos prediais de anos posteriores, independentemente de ter havido, ou não, opção pelo englobamento no ano em que foram apuradas as perdas.

Nota Final

Apesar das intenções de simplificação na Reforma do IRS de 2015 em matéria de apuramento do rendimento líquido da Categoria F, a AT tem vindo a adotar uma interpretação restritiva do tipo de encargos aceites, fazendo com que a referência a “todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo”, caia, muitas vezes, em letra morta, quer ao apelar ao conceito de “despesas de conservação e manutenção” – nem sempre de fácil delimitação -, quer sujeitando a dedutibilidade das despesas ao crivo da respetiva “obrigatoriedade” (que, em rigor, não tem expressão legal), ou, ainda, vindo estabelecer exigências especiais quanto ao suporte documental das despesas, que podem levar a que qualquer proprietário, menos avisado, veja comprometida a dedução de um determinado encargo aos rendimentos prediais apurados.