Cada vez há mais startups e uma maior aposta na inovação; contudo, a Europa não é o local mais atrativo para se criar uma. Isto deve-se ao facto de o financiamento europeu ter sido escasso.
A Europa possui três principais estruturas para financiar startups e inovação: os programas-quadro, o Fundo Europeu de Investimento (FEI) e o Banco Europeu de Investimento (BEI). Contudo, apesar das formas de financiamento, este continua a ser um problema para as startups europeias.
“Há mais startups na Europa, há mais talento na Europa; contudo, há menos dinheiro disponível na Europa para as startups”, afirmou ao Jornal Económico (JE) Thijs Povel, fundador da Dealflow.eu e managing partner da Ventures.eu.
Este problema tem feito com que a Europa fique atrás dos Estados Unidos, que, segundo os dados do relatório “Startup backed by the EU’s Framework Programs”, consegue ter um financiamento seis vezes maior do que o europeu.
Mas por que é que há menos dinheiro disponível na Europa? “Há uma grande diferença na regulamentação”, referiu. “Nos Estados Unidos, desde 1974, existe a lei ERISA, que torna possível investir os fundos de pensão em capital de risco (Venture Capital). Na Europa, temos o oposto, uma vez que a regulamentação torna muito difícil investir os fundos de pensão e de seguros em capital de risco.”
“Se quisermos investir 100 euros na bolsa de valores e obtivermos 10% de lucro, temos um ganho de 10 euros. Agora, imaginemos que queremos investir 100 euros num fundo de capital de risco. Como um fundo de pensão, o que acontece é que precisamos de ter outros 100 euros de lado. Ou seja, se apenas podemos investir 100 euros, o que acontece é que investimos apenas 50 euros para ficarmos com outros 50. Isto faz com que, se tivermos um retorno de 10%, apenas ganhemos cinco euros, em vez de 10 euros”, explicou.
“Desta forma, os fundos de capital de risco têm de ser um investimento muito melhor do que qualquer outro para fazer sentido investir”, afirmou.
Como nos Estados Unidos não existe este tipo de regulamentação, é muito mais fácil angariar dinheiro para os fundos de capital de risco. Nos Estados Unidos, entre 5% e 10% do investimento vai para capital de risco, enquanto na Europa este valor desce para 0,1%. “Na Europa, temos cerca de nove triliões de euros em fundos de pensão; imaginemos se de 0,1% passássemos para 1% de nove triliões, seria uma mudança enorme”, declarou.
O relatório salienta que, em 2023, os Estados Unidos e a UE tiveram um gap de financiamento de 30 mil milhões de dólares (26,5 mil milhões de euros), sendo que 85% deste gap ocorreu na fase em que as startups estavam a crescer e precisavam de grandes rondas de investimento.
No total, a Europa tem 225 mil milhões de euros em fundos de inovação. Apesar de não estarem destinados apenas ao financiamento das startups, apenas 5% deste valor lhes foi atribuído.
Perante esta situação, Thijs espera que a “Europa seja inteligente”. Contudo, quando se fala nestes investimentos, há sempre a questão do risco. “E se os fundos de pensão investirem em produtos de alto risco? Na verdade, não é um alto risco se tivermos uma abordagem de portfólio, que consiste no investimento em diversos fundos”, referiu.
Se existe toda esta diferença entre a Europa e os Estados Unidos, e se essa diferença faz com que as startups europeias fiquem para trás, por que é que a Europa não toma medidas? Na opinião de Thijs, é porque “os reguladores da UE não sabem bem como gerir um portfólio tão grande”.
“O pensamento é que se trata de um investimento de risco, e é. Ao investir nas startups, podemos perder todo o nosso dinheiro; mas, se olharmos para os dados dos últimos 30 anos, se investirmos nos fundos de capital de risco certos e tivermos um portfólio variado, vemos que este é o ativo com melhor desempenho”, afirmou.
“Se queremos ter retorno sobre o nosso dinheiro, precisamos de correr riscos de forma equilibrada”, salientou.
Thijs defende que haja uma alteração na legislação europeia, uma vez que é suposto “os fundos de pensão crescerem com o tempo”. “Eu penso que os europeus têm muito que aprender, principalmente porque precisam de maximizar o dinheiro.”
“O que vemos na Europa, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, é que os fundos de pensão não se cruzam com as empresas privadas. Isto faz com que percam o Facebook, a Google, a Airbnb, a Apple, o Spotify — todas estas empresas que eram startups e que cresceram”, declarou.
Os fundos de pensão europeus apostam maioritariamente no setor público, principalmente porque têm “uma aversão ao risco”. “Eu diria que, ao serem adversos ao risco, os europeus enfrentam mais risco, uma vez que apenas vão para ações governamentais ou bolsa de ações, o que não os torna diversificados.”
Em França, já está a começar-se a fazer algo no sentido de investir fundos de pensão em capital de risco; contudo, “estamos 30 anos atrás dos Estados Unidos”.
Apesar de não ser o principal investimento dos fundos de pensão europeus, é permitido que estes invistam em startups norte-americanas, e vice-versa. “Enquanto os Estados Unidos investem maioritariamente nos Estados Unidos, a Europa também investe nos Estados Unidos, o que é triste, porque, quando olhamos para o retorno dos fundos, o retorno na Europa tem sido melhor do que nos Estados Unidos”, referiu.
Este investimento europeu nos Estados Unidos acontece porque os mercados norte-americanos estão mais evoluídos do que os europeus. Outra razão para esta realidade é o facto de os fundos nos Estados Unidos serem maiores do que os europeus. Uma solução para estes investimentos é que os fundos de pensão europeus invistam no FEI, “que permite alocar dois ou três mil milhões e depois distribui”.
Mas o que é que a Europa pode fazer concretamente para ‘não perder a corrida’ com os Estados Unidos? “A Europa está a começar a alcançar os Estados Unidos; contudo, para garantir que continuamos a avançar, a Europa “deveria desbloquear o dinheiro dos fundos de pensão e dos fundos de seguro. Deveria alterar a regulamentação e garantir que há mais investimentos nas startups”, revelou.
“Deveríamos aprender com os Estados Unidos e devíamos ter mais capital de risco disponível para as startups na Europa”, declarou.
Apesar de serem necessárias melhorias neste patamar, as startups têm outra forma de angariar investimentos, através de investidores privados. Isto é algo que acontece com bastante frequência nos Estados Unidos, os chamados business angels.
Embora tudo isto seja necessário, e a Europa ainda tenha muito a crescer para acompanhar os Estados Unidos, 2024 pode ser um ano “promissor” para as startups. “Temos visto agora mais startups do que nunca”, revelou Thijs. “Em Portugal, temos visto muitas startups e muita inovação.”
A empresa de Thijs está sediada em Portugal, e este considera que o país está a “fazer muitas coisas bem e tem muitos benefícios”. “Temos muito talento, uma população inteligente, boas universidades e bons salários nas startups.”
“Acho que 2024 será um bom ano, mas 2025 vai ser ainda melhor”, referiu.
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