Numa noite eleitoral de surpresas, com o Chega a ganhar terreno e a esquerda a sair derrotada, em especial o PS, que teve um dos piores resultados de sempre, a AD vence as eleições legislativas antecipadas, mas não convence. Ainda que reforçando a sua presença no Parlamento, a Coligação PSD/CDS não garantiu condições para a maioria absoluta e parte para um novo Governo minoritário, onde terá de negociar com PS e Chega – que ficaram na noite de domingo com o mesmo número deputados (58), a desempatar com os votos da emigração, que poderão assegurar a André Ventura o estatuto de líder da oposição.
Esvaziadas as urnas, o país acordou com o vendaval do Chega que varreu a preponderância das duas principais forças nos distritos eleitorais, passando a não ocupar, pela primeira vez, a maioria dos 20 círculos.
Dá-se assim o divórcio dos votantes com o bipartidarismo que marcou 50 anos de democracia, com a terceira força política a tornar real a ameaça ao binómio AD e PS, deixando cair por terra o que muitos apelidaram de epifenómeno nas últimas eleições.
Ao ultrapassar um dos partidos do arco da governação, fundador da democracia, o Chega fez tremer o sistema e lançou ondas de choque no Largo do Rato, levando Pedro Nuno Santos a apresentar a demissão da liderança do PS, face à hecatombe eleitoral. Foi a maior derrota em quase 40 anos do partido que há apenas dois anos, com António Costa, tinha alcançado a maioria absoluta, pintando de rosa quase todo o mapa eleitoral.
À subida vertiginosa do Chega, criticado por estar mais empenhado em minar o sistema político do que em propor soluções ao país, não é alheia a estratégia do PS, que alimentou o “monstro” à espera que enfraquecesse o PSD/CDS.
Pelo contrário, os social-democratas cimentaram a sua posição ao centro político. Com a direita a resistir, incluindo a IL, o espaço dito à esquerda foi canibalizado pelo Chega e o país, ainda na ressaca, assiste ao seu trambolhão e a outro divórcio: do eleitorado no novo mapa político com os partidos de esquerda a deixarem de dominar o Parlamento. Perderam mais de 600 mil votos num ano (e mais de metade são do PS), à exceção do Livre, que subiu a quinta força política e conseguiu reclamar uma vitória. Uma derrocada , que pode ser interpretado como um sinal de procura por novas alternativas após estes partidos se esvaziarem nas suas próprias causas.
O Parlamento está agora fraturado e com três blocos de poder: a direita democrática (AD), a esquerda tradicional (PS, Livre) e radical (BE, PCP) e o populismo radical (Chega), mas nenhum consegue, sozinho, formar governo ou assegurar estabilidade orçamental. Um xadrez político que já levou Marcelo a sinalizar que a estabilidade é do interesse de todos com o candidato à liderança do PS, José Luís Carneiro, a estar disponível para viabilizar o Governo, afastando o centrão, mas não um quadro parlamentar com um impulso reformista.
Pedro Nuno Ssantos sai de cena, num pré-anunciado funeral político para não ser um “estorvo” a quem quiser “suportar um Governo” da AD, após umas legislativas marcadas pelo fim da bipolarização, um parlamento fraturado e a tragédia do PS. Temos hoje o mesmo cenário de governabilidade incerta que saiu das eleições do ano passado. As eleições antecipadas foramum erro. Desta vez, não há vencedores, apenas vencidos num país que continua minado pela incerteza.