A retórica de “América Primeiro” de Donald Trump, manifestada na ameaça e imposição de tarifas aduaneiras sobre produtos europeus, representa muito mais do que um mero capricho político. É, claramente, um ataque direto aos alicerces da prosperidade económica transatlântica. Longe de proteger interesses nacionais, esta política protecionista unilateral revela-se um tiro no próprio pé, infligindo danos colaterais severos a empresas e indústrias em ambos os lados do Atlântico, e ameaçando desestabilizar a ordem comercial global.
A União Europeia, maior parceiro comercial dos Estados Unidos, está novamente na mira de Washington, com a iminente ameaça de novas tarifas sobre uma vasta gama de bens. Esta não é uma tática negocial isolada, trata-se da repetição de um padrão que, no passado, já demonstrou a sua ineficácia e os seus perigos. A ilusão de que as tarifas protegem os produtores domésticos é rapidamente desfeita pela realidade de custos acrescidos para os consumidores, entraves à inovação e retaliações comerciais que penalizam severamente setores exportadores.
É certo o impacto nas cadeias de valor globais que será devastador. Empresas que dependem de componentes importados, tanto na Europa como nos EUA, vão enfrentar aumentos súbitos de custos. Veja-se o que acontecerá às fábricas de automóveis alemãs que importam peças americanas, ou nas produtoras de vinhos francesas que veem os seus produtos encarecer no mercado norte-americano. Estes custos são inevitavelmente repassados para o consumidor final, bem como à redução de margens e investimentos. O resultado é um aumento da inflação para o consumidor, redução de empregos e perda de competitividade.
As projeções de que 70% das exportações europeias para os EUA poderão ser afetadas, com um impacto de 80 mil milhões de euros em taxas adicionais, são um alerta sombrio para o futuro.
Do lado americano, a promessa de revitalização industrial através das tarifas raramente se concretiza. Em vez disso, empresas americanas que exportam para a Europa vão ser confrontadas com tarifas retaliatórias, tornando os seus produtos mais caros e menos atraentes para os consumidores europeus. A indústria agrícola dos EUA, por exemplo, foi historicamente uma das mais atingidas em ciclos tarifários anteriores, e a repetição é provável. Pequenos e médios negócios, muitas vezes com menor capacidade de absorver choques de preços ou de diversificar mercados, são particularmente vulneráveis, podendo levar ao encerramento ou à estagnação.
A instabilidade e a incerteza são o pão nosso de cada dia num cenário de guerra comercial. Desde que Trump anunciou ao mundo o aumento de tarifas, já levou a que várias empresas adiaram os seus investimentos, reconsideram planos de expansão e, em alguns casos, optam por relocalizar produção para contornar as barreiras, o que é um processo dispendioso e complexo.
Esta imprevisibilidade mina a confiança dos mercados e dos investidores, um elemento essencial para a saúde económica. A simples ameaça de tarifas já provoca quedas nas bolsas de valores e perturba as cadeias de abastecimento.
O que é ainda mais preocupante é o desrespeito pela reciprocidade e pelas regras do comércio internacional que estas ações tarifárias representam. A imposição arbitrária de taxas, baseada numa visão transacional e punitiva do comércio, ignora os princípios de cooperação e negociação que sustentam o sistema multilateral de comércio.
A União Europeia, ao preparar as suas próprias contramedidas – como a imposição de tarifas sobre produtos americanos como a carne, o tabaco ou o leite, ou a ameaça de atacar gigantes tecnológicas americanas – age em legítima defesa, mas o ciclo vicioso de retaliação apenas aprofunda a ferida.
A verdadeira prosperidade advém do comércio livre e justo, da abertura de mercados e da cooperação entre nações. As tarifas de Trump são uma ferramenta anacrónica, reminiscentes de uma era em que a economia global era menos interligada e a concorrência era vista como um jogo de soma zero. Num mundo globalizado, onde as cadeias de produção se estendem por continentes e a inovação floresce na troca de ideias e bens, o protecionismo é um entrave ao progresso.
Esta política de Trump agrada objetivamente a China. É evidente para todos que serão muitas as economias que vão tentar encontrar outras soluções e alternativas, e nesse contexto, a China silenciosamente, como é seu hábito, já começou a posicionar-se como alternativa. Quanto mais tempo Donald Trump insistir nesta deriva tarifária, maior benefício terá o seu maior adversário comercial.
Em suma, a estratégia de tarifas de Donald Trump não é uma solução para os problemas económicos dos EUA, mas sim um acelerador de crises para empresas e consumidores em ambos os lados do Atlântico. É um caminho perigoso que compromete décadas de cooperação económica e ameaça uma recessão global.
É imperativo que os líderes de ambos os blocos reforcem o diálogo, a negociação e o respeito pelas regras do comércio multilateral para evitar que esta disputa se torne um prejuízo irreparável para a economia mundial. A fatura do protecionismo é demasiado pesada para ser ignorada.