As eleições legislativas revelaram um eleitorado a sentir uma necessidade de protestar contra os bloqueios das últimas décadas e, em particular, dos primeiros anos. O PS, que foi o partido hegemónico nos últimos 30 anos, passou para terceiro e a AD ficou apenas nove pontos percentuais acima do Chega. Dada a fraqueza relativa da votação na AD e a rapidez da ascensão do novo partido, não estamos muito longe (a apenas 570 mil votos) de o partido liderado por André Ventura passar ao primeiro lugar.
Por um lado, não precisa de ganhar mais meio milhão de votos para isso, pode ser muito menos do que isso, se a direita moderada baixar razoavelmente a sua votação e continuar a transferência de votos da esquerda para a direita radical. Por outro, entre 2022 e 2024, o Chega conseguiu mais 770 mil votos e entre 2024 e 2025 conquistou mais 268 mil.
Por isso, a sobrevivência do governo AD depende, de forma crucial, de reformas eficazes que consiga concretizar (não no papel), de modo a reduzir o voto de protesto. Como é evidente, insultar e menorizar o protesto só lhe vai dar força.
Outro aspecto incontornável é o que os resultados eleitorais também revelam um duplo fracasso da comunicação social. Por um lado, esta escolheu comentadores que não reflectem a vontade dos eleitores e, por outro, parece ter sido incapaz de influenciar a votação. O caso do BE é paradigmático, com uma presença desproporcionada nas televisões, e que quase foi expulso do parlamento. Em conclusão, muitos obstáculos a mudanças, tão inflacionados nos jornais e televisões, não terão uma adesão popular tão elevada quanto isso.
Na verdade, julgo que há vários “mitos urbanos” em relação à resistência a reformas. Há oposição, mesmo dentro dos funcionários públicos, muitos sobrecarregados de trabalho, na simplificação, clarificação e digitalização da generalidade da burocracia? Há alguém que seja contra a existência de mecanismos de fiscalização e controlo que permitam às administrações dos hospitais saber quanto estão a pagar em horas extraordinárias a médicos?
Como é evidente, há uma forte oposição a certas medidas, como alterações nas pensões, mas não é possível continuar a dar aumentos iguais às reformas mais baixas e às mais elevadas, muitas das quais foram atribuídas em condições muito mais favoráveis do que as actualmente em vigor. Nem é necessário começar com uma grande diferenciação, mas é essencial iniciar este processo.
Finalmente, é importante salientar que o contexto político também mudou para os sindicatos. Vamos ver até que ponto estes percebem isso e moderam, entre outras coisas, os abusos na utilização da lei da greve. Tudo indica que, se não o fizerem, estão criadas as condições políticas para domesticar aqueles abusos, sobretudo os que ocorrem nos transportes públicos.