Olhando à nova composição do parlamento e às prioridades de uma sociedade em luta pela sobrevivência, estará esta maioria de direita pronta para reafirmar o valor da família?

Ao longo de toda a campanha eleitoral e no decurso das muitas análises aos resultados das legislativas, ficou evidente que existem hoje três questões prioritárias no debate político: em primeiro lugar, as consequências da incessante afluência de população alógena, continuamente encorajada, tanto pelo discurso cosmopolita e xenófilo, como pelas forças de precarização salarial; em segundo lugar, a reacção de desconforto ou de desinteresse do eleitorado pela agenda identitária da esquerda em crise; e, em terceiro lugar, a insatisfação geral com a ineficiência dos serviços públicos e com a crise da habitação.

Estes três casos tornam óbvia a completa negligência da saúde da comunidade, mas podem também ser vistos como um ataque à família. No caso dos intensos fluxos de imigração, vemos que a classe política centrista prefere suplantar a identidade da população nativa, em vez de encorajar a vitalidade das famílias e o aumento da taxa de natalidade. No caso da agenda cultural de esquerda, existe um ataque directo à essência da família, fazendo com que todas as supostas políticas de apoio à família tenham de se vergar ao propósito máximo da “paridade de género” e do rápido regresso das mães ao trabalho (ora, isto não são políticas da família, mas sim políticas de género).

No caso do caos nos serviços públicos e das dificuldades de acesso à habitação, voltamos necessariamente à família. O país não está pensado para favorecer o crescimento de uma família, nem para acolher as necessidades das grávidas, nem para permitir a mobilidade, sem percalços, dos vários membros da família. Pelo contrário, o nosso país está pensado para incentivar projectos de vida adiados e solitários, em que os casais temem não ter espaço para aumentar o agregado, em que não é seguro deixar os filhos numa escola pública, em que as incertezas e inseguranças nos transportes obrigam a uma logística ainda mais cara e stressante e em que as famílias que arriscam ter uma família alargada são penalizadas nos impostos, no consumo de bens básico, no acesso aos serviços e nos momentos de lazer.

Posto isto, podemos resumir que os tecnocratas que promoveram políticas individualistas, sem atenção à especificidade da vida familiar – ou que até incentivaram, com todo o orgulho, a erosão funcional e cultural da família – foram responsáveis por aumentar a legítima indignação popular contra os ditos partidos do sistema. A crescente dos imigrantes, a radicalização da esquerda intelectual contra o bom senso das normas e instituições tradicionais e, por fim, a degradação das condições de vida da classe média, tornam este o momento mais oportuno para defender a existência de um Ministério da Família, à semelhança do que tem vindo a acontecer em outros países. Alguns poderão achar que isto não passa de um fetiche sem impacto prático, mas a verdade é que, olhando-se à completa ausência de propostas integradas, mal disfarçada por algumas intenções genéricas que ornamentam os programas eleitorais, é mais do que justificável e urgente a defesa de um reconhecimento institucional sério.

A Hungria é o exemplo mais emblemático de um programa robusto de fortalecimento da família e de apoio aos jovens; a Polónia tem o Ministério da Família, Trabalho e Política Social; Singapura tem o Ministério do Desenvolvimento Social e Familiar; em Itália, o governo de Giorgia Meloni incluiu o Ministério da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades; na Eslováquia, vê-se reconhecida a importância da família na Secretaria de Estado para a Família. Todos estes governos apontam a crise demográfica como uma prioridade civilizacional. Além de todos eles reconhecerem a urgência de pôr em marcha soluções natalistas para a crise demográfica, aquilo que os une é a revalorização do cuidado e da estabilidade das relações familiares, bem como o reconhecimento de que as vidas se realizam em conjunto, no cumprimento dos deveres para com os outros.

Se perguntarmos hoje às pessoas o que é uma família, rapidamente percebemos que já pouco a distingue de um grupo de amigos unidos por laços afectivos. Então, se uma família pode ser assim qualquer coisa, passa a não ser nada. Um pouco como aquilo que acontece com o nosso senso de pertença nacional ou étnica. Se a minha Pátria foi despojada de elementos distintivos, se foi alvo de uma homogeneização cultural globalista e se as suas fronteiras se tornam irrelevantes, então essa pátria fica cada vez mais indefesa e sem força autónoma.

Se quisermos derrubar essa perigosa indefinição inculcada, tanto pela contaminação ideológica de esquerda, como pela separação artificial entre a esfera produtiva e a esfera privada da família, podemos dizer que a família é uma unidade orgânica da sociedade que pressupõe continuidade, lealdade e reciprocidade; todas as sociedades consagram leis e códigos morais que velam pela sua sobrevivência e que ajudam a superar os estados de alma e as arbitrariedades da vontade individual.

Um Ministério da Família permite consagrar políticas verdadeiramente da família, ou seja, não são assistencialistas, nem feministas, nem individualistas; são políticas que visam facilitar recursos a todas as pessoas nas suas relações e responsabilidades familiares para que o exercício dessas funções decorra com os maiores benefícios e os menores custos, favorecendo o bem-estar familiar. Este Ministério afirmaria o natalismo como prioridade política, harmonizaria políticas integradas entre as diferentes áreas de intervenção política, poderia ser uma ponte com o poder local e olharia a família enquanto organismo activo. Também não poderia ter inibição em reconhecer que a família é o espaço de fraternidade por excelência e que a estabilidade e reciprocidade são essenciais para garantir a continuidade e fecundidade da família. Finalmente, reconheceria que a família não é um mero espaço de consumo e lazer, mas sim um espaço que produz ganhos de escala e bens relacionais insubstituíveis como afecto, apoio mútuo, cuidados, habitação, alimentação e segurança.

Como seria de prever, um Ministério da Família não está nos planos deste executivo. Mas, além disso, a maioria parlamentar irá desperdiçar esta oportunidade de ouro e manter uma linguagem técnica e economicista? Ou pior, deixar-se-á enredar pelas metas sociais de esquerda? Reafirmar o valor da família seria sintonizar Portugal com a agenda política mais apropriada aos desafios deste século XXI. Um século de relações líquidas, de visão competitiva da relação conjugal, de foco na carreira e de propósitos individualistas.