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IA generativa: ameaça ao negócio da pesquisa online ou ‘big bang’ digital?

A Google acaba de integrar Inteligência Artificial de modo permanente no seu motor de busca, numa altura em que se fala de um “armagedão” na pesquisa tradicional com a queda de cliques. Mas há quem preveja uma mudança benéfica na economia digital.
CEO Sundar Pichai at Google I/O 2025 | AFP
13 Junho 2025, 08h55

Numa página minimalista com uma barra de pesquisa no centro, a questão “Em que posso ajudar?” convida a desfazer dúvidas com a ajuda dos milhões de páginas disponíveis na web. No canto direito há um microfone onde se pode experimentar o modo de voz avançado e no canto esquerdo é possível adicionar fotos e ficheiros para auxiliar a pesquisa.

Poderia ser a página inicial do Google, mas aqui não há logotipos coloridos: esta é a porta de entrada do ChatGPT Search, o motor de busca que a OpenAI lançou para competir com o gigante de Mountain View.

A entrada da OpenAI em concorrência direta na pesquisa reflete as mudanças tectónicas que a Inteligência Artificial generativa está a provocar desde o surgimento do ChatGPT, em novembro de 2022. Há outras plataformas a fazer o mesmo – o motor da Perplexity.ai, por exemplo, tem mais de 15 milhões de utilizadores ativos por mês. As novidades surgem a uma velocidade tão grande que analistas e investidores têm questionado o que significa a médio prazo: estão os motores de busca tradicionais condenados? Passaremos a ter plataformas de pesquisa alimentadas por IA generativa, alterando o lucrativo negócio dos links patrocinados e a atração de tráfego para os sites?

É uma questão existencial para o Google, que domina 89% do mercado mundial e até agora não tinha competição à altura (o segundo lugar é do Bing da Microsoft, com 3,88%). Dados da SEMrush em janeiro mostraram um aumento de 2,41% nas visitas ao ChatGPT para 4,7 mil milhões e um decréscimo de 0,47% no Google, para 139,9 mil milhões. Embora seja um movimento ténue, a cúpula da Google está a planear para o longo prazo.

“Creio que nunca houve um momento tão entusiasmante em tecnologia”, declarou o CEO Sundar Pichai, numa sessão com jornalistas em Mountain View, à margem do evento I/O que decorreu no final de maio. “Estamos num momento em que a tecnologia horizontal que é a IA se aplica a tudo, e temos uma visão muito virada para o futuro.”

A empresa anunciou que o seu motor de busca passará a ter o separador Modo IA, onde os utilizadores encontrarão respostas exclusivamente geradas pelo grande modelo de linguagem Gemini – a resposta do Google ao ChatGPT.

Modelo de negócio em mudança
O Modo IA junta-se à Vista Geral de IA, resumos que chegaram a Portugal em março e aparecem no topo da página. Segundo a líder da Pesquisa Google Liz Reid, deixam os utilizadores mais satisfeitos e aumentam as pesquisas.

“As pessoas estão a fazer mais perguntas e a minha expectativa é de que isso vai continuar”, disse Reid na sessão com jornalistas. “Estamos a ver as pessoas a explorarem a sua curiosidade.”

Mas uma análise da plataforma de marketing digital Ahrefs concluiu que a Vista Geral de IA reduziu os cliques em 34,5% no último ano. O estudo alinha-se com os receios de especialistas em otimização de motores de busca (SEO, na sigla inglesa) de que a IA vai fazer implodir o mercado.
A Gartner, por exemplo, previu que o tráfego nos motores de busca tradicionais irá cair 25% até 2026, citando o crescimento dos bots IA e agentes virtuais. O CEO da Cloudflare Matthew Prince avisou que a IA vai “fundamentalmente mudar o modelo de negócio da web” dominado pela pesquisa. E o professor associado do Berkman Klein Center, Benjamin Brooks, defendeu que a pesquisa IA “ameaça desequilibrar uma economia digital já precária.” O argumento é de que a produção de conteúdo online depende de incentivos frágeis ligados ao tráfego, como anúncios e exposição da marca, e se a IA o reduzir os sites não serão sustentáveis. A Google também tem muito em jogo: mais de metade dos 350,4 mil milhões de dólares (cerca de 306,9 mil milhões de euros ao câmbio atual) que a casa-mãe encaixou em 2024 foram gerados pelos anúncios no motor de busca, o que explica porque é que a empresa já está a testar publicidade nas respostas IA.

Nem todos são pessimistas. Rand Fishkin, CEO da agência de pesquisa sobre audiências SparkToro, disse ao Jornal Económico que há pelo menos sete anos que a taxa de cliques no Google está em declínio. “Mas o Google não está sozinho e não é o maior culpado”, explicou Fishkin, referindo que redes sociais como Facebook, Reddit, YouTube, Instagram ou TikTok já enviam pouco tráfego para fora das plataformas. Da mesma forma, as ferramentas IA enviam para sites externos menos de 0,2% do tráfego que recebem.

Ainda assim, o tráfego nas páginas dos sites está a subir porque as pessoas não conseguem completar transações no Google ou ChatGPT. Fishkin defende que é o trabalho dos especialistas em marketing que tem de mudar. “As pessoas consomem conteúdos sobre a sua marca, indústria e os problemas que resolve noutras plataformas”, afirmou. Em vez de tentarem ganhar mais visitas, devem trabalhar para influenciar mais pessoas nas plataformas onde estas prestam atenção: redes sociais, respostas de motores de busca e plataformas IA.

“Para ser eficaz, o marketing digital tem de regressar à mentalidade do século XX”, desafiou. “Levar as pessoas a conhecer, gostar, confiar e recordar a sua marca através de mensagens, posicionamento e escolhas de canal inteligentes.”

Fishkin afasta os cenários de armagedão do SEO que outros temem numa indústria de 85 mil milhões de dólares (cerca de 74,4 mil milhões de euros). Também Jason Wilson, consultor de SEO e diretor da Lift Altitude em São Francisco, acredita que será uma oportunidade de estimular a criatividade.

“Se as pessoas começarem a usar mais IA, continuará a haver um declínio acentuado nos cliques”, reconheceu ao OJE. Mas isso será acompanhado de um aumento das impressões, que já se nota. E embora ferramentas como o ChatGPT enviem pouco tráfego para os sites, as taxas de conversão de clientes são mais altas.

“Vai ser um mundo com várias plataformas, em que não podemos otimizar apenas para um algoritmo”, afirmou. “O nosso conteúdo tem de aparecer em múltiplos serviços.” Em vez de otimizar usando palavras-chave, terão de adaptar estratégias para serem relevantes nas respostas de bots IA.

Wilson acredita que o Google vai perder quota e o mercado será mais fragmentado, desembocando num cenário em que os motores de busca tradicionais se fundem com os motores IA. A Google certamente apontou para um futuro em que a app Gemini dominará a inteligência dos seus dispositivos, funcionando como assistente para todo o tipo de pesquisas em todo o tipo de aparelhos.
“A IA”, disse Sundar Pichai no Google I/O, “está a avançar a nossa missão intemporal de organizar a informação do mundo.”

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