A mais recente aposta na reforma da administração pública é, simultaneamente, um sinal de lucidez política e uma resposta necessária à exigência crescente de competitividade, eficiência e transparência. Não é apenas uma medida administrativa, é uma reforma estrutural com implicações diretas na produtividade do país, na atratividade do investimento e na confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
Durante décadas, a administração pública portuguesa foi marcada por processos excessivamente complexos, normas redundantes e uma cultura de controlo que sacrifica a agilidade pela segurança. Embora com avanços importantes como o Simplex ou a digitalização de alguns serviços, a realidade continua a ser, para muitos cidadãos e empresas, sinónimo de frustração, morosidade e opacidade. Esta teia burocrática tem custos invisíveis, mas profundos: desincentiva o empreendedorismo, trava a inovação e alimenta a perceção de ineficiência do Estado, perceção essa que muitas vezes não é correta.
Será expectável que o novo pacote de medidas a apresentar vise simplificar procedimentos administrativos, reduzir exigências documentais desnecessárias e promover uma cultura de responsabilização na máquina pública. Deve procurar-se, entre outros objetivos, reforçar a interoperabilidade entre serviços, facilitar o licenciamento urbanístico, acelerar processos de contratação pública e desmaterializar ainda mais as interações entre o Estado e os seus utentes.
Esta orientação é particularmente relevante num momento em que Portugal enfrenta desafios estruturais em termos de produtividade, envelhecimento populacional e captação de investimento estrangeiro. Num cenário competitivo a nível europeu e global, onde países com estruturas administrativas mais ágeis oferecem melhores condições de contexto para fazer negócio, Portugal não pode continuar refém de entraves burocráticos que prejudicam o seu desempenho económico.
Contudo, a desburocratização não deve ser confundida com desregulação. O Estado continua a ter o dever de proteger o interesse público, garantir a equidade e assegurar o cumprimento normativo. Mas esse dever deve ser cumprido com inteligência, proporcionalidade e foco nos resultados, e não através de labirintos administrativos que multiplicam exigências e bloqueiam decisões. Menos burocracia não significa menos Estado, significa sim um Estado mais eficaz.
Outro aspeto fundamental desta agenda é a sua ligação à accountability pública. Um sistema burocrático opaco favorece a inércia, dificulta a responsabilização dos decisores e enfraquece os mecanismos de escrutínio. Ao simplificar os processos e torná-los mais transparentes, o Estado aproxima-se dos cidadãos, reforça a sua
legitimidade e cria condições para uma cultura de prestação de contas, essencial para a qualidade da democracia.
Mas para que esta reforma seja bem-sucedida, é preciso mais do que boas intenções ou decretos. Exige liderança, continuidade estratégica e envolvimento ativo dos próprios serviços públicos. A capacitação dos recursos humanos, a promoção de uma cultura de serviço e a criação de incentivos internos à inovação administrativa são condições essenciais. A mudança não se fará apenas por imposição legislativa, mas sim através do envolvimento e participação de todos os agentes da administração pública.
Num tempo em que a competitividade se mede também pela capacidade de resposta do Estado, reformar é uma escolha estratégica e urgente. Trata-se de recuperar tempo, energia e confiança. De alinhar a administração com os desafios do século XXI. De transformar o Estado num verdadeiro parceiro do desenvolvimento, ao serviço das pessoas, das empresas e do futuro coletivo.