Celebraram-se as cinco décadas do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia (CEE) e os Países da África, Caraíbas e Pacífico (ACP), no passado dia 6 de Junho. A data passou despercebida na maioria dos órgãos de comunicação social e política, apesar de este acordo ser um dos mais abrangentes no mundo, envolvendo 106 estados soberanos, todos eles com assento na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Fazem parte deste processo que começou formalmente em 1975, Portugal no âmbito da União Europeia e todos os países de língua portuguesa em África e Pacífico no âmbito dos ACP. Contudo, o processo de formação deste grupo, muito por iniciativa da então CEE, tem raízes num passado mais distante.

 

De territórios e países ultramarinos ao Grupo ACP

O Tratado de Roma assinala a criação da CEE, em 1957. Com alguns dos estados-membros europeus vinham territórios e países que estavam em período de transição ou ainda sob regime colonial. Podemos recordar que, na África subsariana, por exemplo, apenas a Etiópia, o Gana, a Libéria, o Sudão e a África do Sul (esta última sob regime do Apartheid) eram independentes nessa altura.

Justificou-se, assim, que tenha sido estabelecido um princípio de formas de integração destes países e territórios na dinâmica do mercado único europeu. Todavia, o acesso de qualquer um destes países dependia das suas ligações políticas aos países que integravam a organização.

Será preciso esperar até 1963 para que seja realizada a Convenção de Yaoundé, em que as negociações já são levadas a cabo por países independentes, mas sempre tuteladas a partir da então CEE e dos seus estados-membros.

Com a entrada do Reino Unido para a CEE, e 1973, a Convenção de Yaoundé aparece como desajustada a uma nova realidade. Como resultado, e 1975, celebra-se o Acordo de Georgetown que abre caminho para a integração dos países da Commonwealth num acordo mais abrangente entre a CEE e os países fruto das independências dos países europeus.

Na sequência do Acordo de Georgetown, celebram-se o primeiro Acordo de Lomé,  alargando o espetro geográfico da Convenção de Lomé e apontando novos caminhos para o desenvolvimento. Os ventos reivindicativos do sul Global sopravam cada vez com mais força e era preciso dar uma resposta consentânea nesse sentido.

Com a celebração dos subsequentes Acordos de Lomé (1979, 1984 e 1989), a CEE afirmava a sua vontade de se manter como ator global, privilegiando as suas relações com os países menos avançados. O Grupo ACP tinha crescido, as a Europa também sofria sucessivos alargamentos durante esses anos, com a entrada da Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986), Áustria, Finlândia e Suécia (1995).

Chegados ao século XXI, do lado europeu já era 15 estados que concordaram em celebrar o Acordo de Cotonou que incorporava novos anseios dos países em desenvolvimento. O Acordo de Cotonou foi revisto em 2005 e 2010 e tentava responder à concorrência por influência externa nestes países, dando mais cobertura a projetos considerados prioritários localmente.

A Organização do Grupo de Estados da África, Caraíbas e Pacífico

Numa resposta à alteração do contexto internacional, a União Europeia, agora com 27 estados-membros, concerta-se com os países ACP para uma revisão do Acordo de Georgetown, em 2019, que providenciará as bases para a criação da Organização do Grupo de Estados da África, Caraíbas e Pacífico (OEACP) que continuará sediada em Bruxelas, paredes meias com a sede da União Europeia.

Nesse âmbito negoceia-se o Acordo de Samoa durante três anos. Neste acordo é agora assumida na sua plenitude uma linguagem de paridade com os países ACP e uma vontade de ir ao encontro das prioridades estabelecidas pelos próprios países. O grupo ACP também não parou de crescer e tem agora 79 estados-membros, 48 em África, 16 nas Caraíbas e 15 no Pacífico.

Trata-se de o acordo inter-regional mais abrangente do mundo e mais representativo no seio da Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo, no entanto, desconhecido da maior parte dos cidadãos europeus ou mesmo relegado para um plano secundário. Para além de ser o mais abrangente, é igualmente o mais antigo com este tipo de características.

Acompanha o árduo caminho da transição do sistema colonial para a independência e inclusão no sistema político e económico internacional. É por isso, em todos os seus formatos uma representação das mudanças ocorridas na Ordem Internacional.

Portugal, a União Europeia e o Grupo ACP

Em 1986, juntaram-se Portugal e Espanha à então CEE, trazendo uma aproximação à América Latina até então pouco vigorosa no seio desta organização regional. A par desta maior proximidade com a América Latina, Portugal (mais do que Espanha) também não abdica de colocar África na sua agenda política dentro da CEE/UE.

Esta dinâmica altera a periodicidade dos contactos e acabou por fazer multiplicar e sobrepor acordos bilaterais e multilaterais, contudo, a continuidade entre o passado, presente e futuro das relações entre a UE e a OEACP dá-lhe contornos muito específicos.

Desta história também faz parte o colonialismo, a assimetria de poderes e um desenvolvimento retardado nestes países. Contudo, também é parte desta história uma tentativa de caminho comum para o desenvolvimento e laços sociais, económicos e políticos de longa duração.

Portugal, com a sua longa história de conexão a territórios não europeus, deveria ser um dos países com mais protagonismo nesta longa relação. Desde a assinatura de adesão à então CEE, em 1985, devidamente assinalada e celebrada em 2025,  um dos seus papéis mais reconhecidos na política externa da EU foi exatamente a sua contribuição para uma agenda política mais próxima dos países do Sul Global.

O seu contributo para uma Europa enquanto ator global não é despiciente. Numa época, em que as relações de vizinhança consomem cada vez mais tempo e energia à UE, Portugal, entre outros Estados, tem a missão de aprofundar as relações com as regiões onde historicamente foi pioneiro nas relações de proximidade.

Desafios para hoje e para amanhã

Em tempos de rápida mudança na Ordem Internacional e de novos desafios nas tentativas de governança global, cabe-nos questionar qual o papel da UE e da OEACP no estreitamento das relações entre a UE e os países ACP e, num sentido mais vasto, entre a Europa e o Sul Global.

Já é claro que os países mais expostos às ameaças globais (como as mudanças climáticas, degradação do ecossistema oceano e transnacionalidade da criminalidade, entre outros) e mais frágeis do ponto de vista do exercício da soberania estarão debaixo da mira de potências concorrentes.

O papel histórico de ligação da UE a estes países torna o seu papel complexo, mas próximo da realidade daqueles países. A reabilitação e aprofundamento das relações entre estes blocos regionais manteria a Europa como ator global. Posicionamento que é cada vez menos claro nos dias de hoje.

Resta esperar que o tom populista e nacionalista de muitos partidos nos países europeus não tenha o efeito de afastamento desse Sul Global que garantiu à Europa o seu papel de projeção no mundo.