A primavera de 2025 encontra o regime climático internacional num ponto de inflexão: pela primeira vez desde Paris, as metas de financiamento, adaptação e mercados de carbono avançam em paralelo e com prazos incontornáveis. É neste contexto que Bonn acolhe, de 16 a 26 de junho, a 62.ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (“UNFCCC”), a conferência técnica que, a meio do ano, afina o texto jurídico que será levado à COP 30 em Belém do Pará, em novembro.
Ao contrário das Conferências das Partes (“COP”), os Órgãos Subsidiários “SBI” (Subsidiary Body for Implementation) e o “SBSTA” (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice) não deliberam em definitivo[1] – a sua função consiste na elaboração de projetos de decisão no âmbito da Convenção, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, os quais serão posteriormente confirmados ou renegociados em plenário.
Funcionam, por isso, como “laboratório” técnico onde os compromissos mais complexos são moldados desde logo em linguagem vinculativa. É também por esse motivo que Bonn é frequentemente descrita como a “antecâmara” do enquadramento climático global: as negociações iniciam-se com contornos políticos e emergem estruturadas em artigos, parágrafos operativos e anexos técnicos.
Em 2025, o peso desta “Pré COP” cresce porque três pilares – financiamento, adaptação e mercados de carbono – avançam em sincronia e com prazos rígidos: todos os articulados têm de estar fechados para a COP 30. O roteiro batizado “Baku-to-Belém Roadmap to 1.3 T” fixa Bonn como elemento de articulação para demonstrar “progresso mensurável” antes do escrutínio público que Belém trará.
- Financiamento climático – A operacionalização do Novo Objetivo Coletivo Quantificado (“NCQG”), adotado durante a COP29 em Baku, permanece condicionada à definição de regras contabilísticas comuns, a uma partilha equitativa do esforço financeiro e à criação de mecanismos de monitorização ex ante. O NCQG estabelece um limiar progressivo, iniciando-se com um compromisso mínimo de 100 mil milhões de dólares anuais entre 2026 e 2034, ascendendo para, pelo menos, 300 mil milhões anuais a partir de 2035.
- Adaptação – A lacuna normativa que persiste no artigo 7.º do Acordo de Paris compromete a concretização do Objetivo Global de Adaptação. A sua eficácia dependerá da definição e implementação de indicadores globais robustos, bem como da institucionalização de um ciclo de reporte nos Relatórios Bienais de Transparência (BTRs), conforme previsto no artigo 13.º do Acordo, garantindo que as informações sobre adaptação sejam consideradas no Balanço Global (Global Stocktake), sob pena de o dispositivo continuar a revestir um carácter meramente programático e frágil.
- Nos mercados de carbono, Bona deverá concluir os elementos remanescentes do “Livro de Regras” do artigo 6.º do Acordo de Paris.
- Um dos pilares desta etapa será a operacionalização do Registo Internacional interino das Nações Unidas, lançado em fevereiro de 2025, concebido como um “livro-caixa” global para registar todos os créditos de carbono. Este sistema deverá garantir uma interoperabilidade rigorosa com os registos nacionais e com as plataformas privadas já existentes, condição indispensável para prevenir situações de dupla contabilidade e garantir a integridade dos ajustes correspondentes previstos no artigo 6.2. Persistem, porém, lacunas no articulado sobre a repartição das receitas geradas pelas transações de créditos. Falta definir de forma clara o circuito financeiro que assegurará a transferência da percentagem obrigatória mínima de 5% para o Fundo de Adaptação, conforme determinado pela decisão 3/CMA.3, incluindo critérios de isenção, momentos de liquidação e parâmetros de avaliação de valor.
- Ainda no domínio da adaptação, prosseguem os trabalhos do UAE–Belém Work Programme on Indicators, estabelecido na CMA5 (COP28, Dubai), com o objetivo de desenvolver um conjunto de indicadores para medir o progresso em direção ao Global Goal on Adaptation (GGA), conforme delineado no UAE Framework for Global Climate Resilience. Este programa de dois anos visa apresentar resultados na CMA7 (COP30, Belém, novembro de 2025). Entre as dimensões em discussão destacam-se: (i) A redução das perdas económicas associadas a eventos climáticos extremos; (ii) A cobertura universal de sistemas de alerta precoce até 2027; e a (iii) integração de critérios de resiliência climática no ordenamento do território.
Em matéria de mitigação, permanece por operacionalizar o Programa de Trabalho de Sharm el-Sheikh (“MWP”), criado para colmatar o défice entre as metas climáticas atuais e os cortes necessários para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Falta ainda definir orientações práticas sobre a quantificação sectorial dos cortes de emissões e o acompanhamento efetivo do compromisso político, acordado na COP28 de triplicar a capacidade global instalada de energias renováveis até 2030.
Simultaneamente, o recém-criado Fundo para Responder a Perdas e Danos (“FRLD”) iniciou formalmente a sua atividade. A fase inicial de implementação (2025–2026) será orientada pelas modalidades provisórias aprovadas em Bridgetown, devendo ser estabelecidos em Bonn critérios técnicos de elegibilidade, prioridades de alocação e modalidades de desembolso financeiro.
Por fim, outro eixo central da agenda de Bona será o reforço do Diálogo de Sharm el-Sheikh, no contexto do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Acordo de Paris, que impõe o alinhamento dos fluxos financeiros globais com trajetórias de baixo carbono e resilientes ao clima. Esta agenda requer uma coordenação estreita entre o novo NCQG, a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento e os esforços em curso para a reestruturação das dívidas soberanas, com especial atenção aos países do Sul Global. Prevê-se que Bonn explore a inclusão de cláusulas de resiliência climática nos contratos de dívida, permitindo suspensões ou flexibilizações automáticas em caso de catástrofes naturais ou choques climáticos sistémicos.
Em síntese, a cimeira de Bonn, em 2025, não constitui apenas mais uma etapa técnica, trata-se da antecâmara da COP 30 e de um teste à capacidade do sistema multilateral para converter metas em normas vinculativas. Um eventual fracasso comprometeria a entrada no décimo aniversário do Acordo de Paris sem um roteiro executável nos domínios do financiamento climático, da adaptação e dos mercados de carbono. Pelo contrário, um desfecho bem-sucedido permitiria à COP 30 centrar-se na elevação da ambição política e no reforço da confiança entre o Norte e o Sul globais, com textos prontos para adoção formal.
Em termos processuais, as decisões finais são tomadas em sessões plenárias das COP, CMP ou CMA, onde os projetos de decisão elaborados pelo SBI e SBSTA são discutidos, podendo ser aprovados, modificados ou rejeitados. Este processo assegura que as decisões refletem o consenso político dos Estados Partes, enquanto os Órgãos Subsidiários fornecem a base técnica e científica necessária para informar essas decisões.