“A imagem é silenciosa, mas devastadora: a Europa não lidera. Observa, comenta, ajusta o tom — mas não determina.”
O rosto de David Lammy, Johann Wadephul e Jean‑Noël Barrot, alinhados em frente a Abbas Araghchi, em Genebra, diz mais do que um pleito diplomático: reflete a Europa que queremos, mas que ainda não somos. Enquanto Donald Trump lançava ataques unilaterais contra instalações nucleares iranianas, sem informar os seus supostos aliados transatlânticos, os três ministros europeus, apanhados de surpresa, mantinham‑se prisioneiros de expressões contidas, incapazes de antecipar ou moldar os acontecimentos. A imagem é silenciosa, mas devastadora: a Europa não lidera. Observa, comenta, ajusta o tom — mas não determina.
Durante décadas, sonhámos com uma Europa geopolítica. Uma potência civil, sim — mas com capacidade para agir em momentos decisivos. Uma voz no concerto das nações. O continente que criou o direito internacional moderno e onde se escreveram os tratados que moldaram a diplomacia global deveria ser, hoje, mais do que um espaço económico. Mas não é. A União Europeia, com o apoio institucional do Reino Unido, representa quase 500 milhões de pessoas, um PIB comparável ao dos EUA, uma base industrial e tecnológica robusta. E, no entanto, quando uma crise militar irrompe, quando se esperam líderes, não aparecem. Em vez disso, há cautela, hesitação, espera pelos sinais de Washington.
É verdade que a política externa europeia nunca foi um projeto fechado. Sempre dependeu de equilíbrios internos, de consensos frágeis, de interesses divergentes entre norte e sul, entre o Atlântico e o Mediterrâneo. Mas o que vemos agora é a cristalização da irrelevância. Friedrich Merz foi eleito com discurso firme, prometendo um novo protagonismo alemão que reverberasse na Europa. Um “chanceler para o continente”, diziam. Mas, perante a tempestade no Médio Oriente, Johann Wadephul, ainda em fase de afirmação, não conseguiu agarrar o momento.
Em paralelo, na França, Jean‑Noël Barrot, relativamente novo no cargo, tenta impor uma postura determinada — mas a sua ação corre risco de se dissolver na fragmentação do eixo europeu. E David Lammy, recém-chegado ao Foreign Office, tropeça ainda no labirinto de um Reino Unido que continua a ensaiar, sem convicção, o pós-Brexit.
O padrão repete-se. Voltamos a ver o ensaio de cenas diplomáticas enérgicas: apelos à negociação, chamadas à contenção, recados conjuntos. Mas tudo se dissolve ao primeiro impacto. Quando os Estados Unidos decidem agir, a Europa responde com frases condicionais. Quando o Irão ameaça, a única arma da União é a linguagem. A verdade é esta: sem unidade política e capacidade militar, a Europa financia, envia material, moraliza — mas não decide. É voz de fundo, não quem convoca a reunião.
A analogia impõe-se. A Europa é um gigante económico sentado num banco de areia — promete salto, mas demora demasiado a ganhar impulso. Tem pernas, mas afunda‑as em debates internos e mecanismos de decisão lentos, obsoletos para tempestades políticas. Cada reunião em Bruxelas é seguida por mais uma conferência de imprensa, mas não por ações, por diplomacia contundente, por influência real.
É preciso dizer claramente: o problema não é falta de meios. É ausência de ambição política. A Europa já demonstrou, nos anos 90, na criação do euro e na ampliação do leste, que é capaz de decisões corajosas. Mas perdeu essa memória estratégica. Hoje, ao invés de antecipar o mundo, limita-se a reagir ao que outros ditam. A Europa ficou para trás na Ucrânia, onde financia, mas não lidera. Continua à margem no Médio Oriente, incapaz de definir, sancionar, mediar, convocar. Em Genebra, não traçou linhas vermelhas — ficou à espera que Trump decidisse. E Trump decidiu. Sozinho. Sem informar, sem consultar, sem disfarçar.
A realidade é que os Estados Unidos, sob Trump, não tratam a Europa como parceira. Tratam-na como apêndice: útil quando convém, descartável quando incomoda. O problema está em que a Europa parece aceitar esse papel com uma passividade quase estrutural. Não ousa romper, não ousa afirmar-se. O medo de não ter alternativa leva ao conformismo com a irrelevância.
É natural que os Estados europeus tenham divergências. É aceitável que nem todos queiram o mesmo grau de integração. Mas é incompreensível que, num momento de escalada militar, com impacto direto sobre a sua vizinhança, os principais países europeus estejam à margem, sem iniciativa própria. Ser potência não é uma questão apenas de armamento — é, sobretudo, de vontade. E essa parece, hoje, ser a maior ausência da política europeia.
A pergunta permanece: até quando vamos arrastar este peso sem o transformar em força? Até quando vamos consentir que os outros ditem a agenda global? Os recursos estão aí — falta a vontade política para os utilizar com coragem, com visão comum, com músculo real. Enquanto não for capaz de se afirmar como actor político com projeto próprio, a Europa continuará a ser, no melhor dos cenários, uma superpotência económica com alma de comentador internacional.
Sem isso, continuaremos a repetir o mesmo ciclo: reunir‑nos, debater, emitir comuniqués. Mas a crise avança. A história não espera. E a Europa permanece sentada, esperando que alguém ocupe o lugar que lhe pertence — enquanto poderia ser quem lança o convite.