Passados 12 dias de uma confrontação que envolveu inicialmente Israel e o Irão e, posteriormente, os EUA, chegou-se a um cessar-fogo, pelas sete horas de 24 de junho, com uma razoável probabilidade de se manter. Indicador disso é a normalização do quotidiano israelita, com a abertura do comércio e das escolas. É agora, pois, possível avaliar, com a informação já disponível, se os três objetivos políticos que Israel se propunha atingir foram alcançadas – destruição do programa nuclear, mudança do regime político e destruição da capacidade balística iraniana – e o que nos poderá reservar o futuro, decorrente desta primeira avaliação.

Tanto Israel como o Irão cantam vitória e assumem-se como vencedores. Uma leitura dos acontecimentos de maior granularidade leva-nos a outras conclusões. Podemos nesta altura afirmar, sem margem de erro, que apesar de terem sido operações taticamente brilhantes, tanto o ataque israelita como o americano foram estrategicamente inconsequentes.

Mesmo ainda sem dados para se avaliar com detalhe a gravidade dos danos, podemos afirmar que o programa nuclear iraniano foi afetado, mas não foi destruído. Contrariando as afirmações triunfalistas de Trump e de Netanyahu sobre o sucesso da operação, os serviços de inteligência dos EUA sugerem, numa avaliação preliminar, que os ataques não destruíram completamente as instalações nucleares iranianas. Parece que as infraestruturas críticas do ciclo do combustível nuclear não foram afetadas ou terão sofrido apenas danos menores. A confirmar isso, a ausência de sismos na região, provocados por explosões no subsolo. Neste sentido, alguma comunicação social hebraica veio dizer que “não foi Israel, mas os Estados Unidos, que atingiram o objetivo principal, atrasando o programa nuclear do Irão de 6 meses a 1 ano.”

No rescaldo das operações, parece que o regime dos aiatolas saiu reforçado, servindo a agressão para reunir a população em torno da sua liderança, mesmo aqueles que se lhe opunham ou lhe eram indiferentes. As mesquitas ficaram cheias como não se via há muito tempo. As minorias étnicas não se sublevaram. Falamos em particular das azeri e curda, esta última incentivada a fazê-lo pelo líder curdo iraquiano.

Confrontados com a impossibilidade de provocarem uma mudança do regime, Netanyahu e Trump vieram posteriormente dizer que isso não fazia parte do plano. Trump já não queria uma mudança de poder no Irão porque não desejava criar o “caos”. Por outro lado, o sistema balístico iraniano ficou longe de ter sido destruído.

Os EUA e Israel não pretendiam envolver-se numa guerra de atrito, que lhes iria ser desfavorável. Julgaram que o “choque e pavor” do ataque da primeira noite, ajoelharia o Irão e o levaria a sentar-se à mesa das negociações com os EUA, no dia 15 de junho, numa posição de extrema vulnerabilidade e pronto para assinar tudo o que lhe pusessem à frente.

Uma guerra prolongada daria vantagem ao Irão porque possui energia, matérias-primas, agricultura, etc., e também dimensão geográfica. Israel é um pequeno Estado de 20 mil quilómetros quadrados (mais pequeno que o Alentejo), enquanto o Irão tem cerca de 1 milhão e 650 mil. Em termos de área, Israel representa 1,2% do Irão.

Esta guerra veio provocar uma alteração qualitativa profunda no comportamento iraniano. Israel ficou a saber que futuros ataques ao Irão não ficarão sem resposta. As Forças de Defesa de Israel (FDI) destruíram a sua mística e perderam a reputação de invencibilidade que até aqui gozavam.

Apesar do seu poderoso sistema de intelligence, Israel subestimou a capacidade iraquiana. Telavive julgou que o Irão estava mais fraco do que nunca a nível interno. Com base em acontecimentos anteriores, pensou que o Irão não iria responder, ou que o faria de um modo tímido, e que a guerra ia ser curta. O Irão iria ser, mais uma vez, humilhado.

Israel não só não conseguiu atingir os seus objetivos políticos como pagou caro a agressão ilegal ao Irão. Embora seja difícil ter uma noção exata dos danos causados pelo Irão, há factos indesmentíveis, como por exemplo, a destruição da capacidade portuária e aeroportuária israelita; a suspensão do comércio marítimo, as quebras generalizadas de energia elétrica, a economia devastada, etc. A Maersk suspendeu o trânsito pelo porto de Haifa, responsável por mais de 60% do comércio do país. As cidades israelitas arderam pela primeira vez. A isto junta-se a situação social no país causada pelas destruições causadas pelos mísseis iranianos.

Foi esta situação de debilidade, resultante dos ataques iranianos, que levou Telavive a pedir, mais uma vez, auxílio aos EUA. Desta vez, para negociar um cessar-fogo que terminasse com uma situação que se tinha tornado insustentável.

Os Estados Unidos

Embora não o reconheça publicamente, Israel está ciente das limitações da sua defesa aérea em deter os mísseis iranianos e da sua incapacidade em destruir o programa nuclear iraniano. O pedido de ajuda aos EUA visava envolvê-los diretamente no conflito, para fazerem aquilo que Telavive, por si só, não tinha possibilidade de realizar.

Se foram sempre claros os objetivos de Israel relativamente ao ataque ao Irão, o mesmo já não se pode dizer dos objetivos dos EUA. Descortinamos como possibilidade e em primeiro lugar, a do fim do programa nuclear iraniano, o que parece não ter corrido bem, apesar das declarações bombásticas de Trump e Netanyahu. Há rumores de que Washington teria informado Teerão antes dos ataques, o que complica ainda mais a análise, porque vem expor a falta de vontade dos EUA em defender o seu protetorado.

O ataque dos EUA às instalações nucleares iranianas foi seguido de ataques retaliatórios do Irão a várias instalações militares norte-americanas na região, em particular àquelas que se encontram sediadas no Catar, tendo sido as autoridades americanas previamente informadas. Teerão marcou, uma vez mais, a sua determinação em responder sempre que fosse atacado, ao mesmo tempo que evitou causar vítimas para não encurralar Trump e o empurrar para um maior envolvimento no conflito, algo que alegraria Netanyahu, mas em que Trump não estava nada interessado.

Com o ataque, Trump procurou agradar ao lobby israelita e aos setores belicistas do establishment político norte-americano, muitos instalados no partido republicano, mas, com a concretização do cessar-fogo a pedido de Telavive reconciliou-se com a sua base apoio. O seu discurso aparentemente errático, por vezes mal-entendido, refletiu a sua necessidade de satisfazer certos equilíbrios de poder internos.

Os ataques americanos às três instalações nucleares iranianas não só não impediram que Teerão desistisse do seu programa nuclear, como se poderão tornar num pretexto para Teerão se retirar do Tratado de Não Proliferação Nuclear (o que foi já declarado pelo seu ministro dos negócios estrangeiros), rever a fatwa de 2003 e obter capacidade nuclear militar.

A decapitação da estrutura superior das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária provocada pelo insensato ataque israelita levou à ascensão dentro do regime da linha mais dura. Os militares vão ganhar mais poder e os gastos com a defesa aumentarão. Tudo isto poderia ter sido evitado, se tivesse sido levado por diante o que se encontrava na mesa de negociações entre os EUA e o Irão, antes do dia 13 de junho, isto é, a venda do urânio enriquecido a 60% a uma potência nuclear.

Não deixa de ser insólito, no meio disto tudo, que os EUA tenham avançado rapidamente e do nada com o cessar-fogo, sem exigirem a celebração de qualquer acordo no âmbito nuclear. Não terá sido apenas porque os israelitas tinham esgotado a sua defesa aérea, nos últimos dias incapaz de intercetar mais de cerca de 50% dos mísseis iranianos, passando estes a atingir as infraestruturas energéticas israelitas, uma vulnerabilidade bem conhecida de Israel, mas porque os danos passaram a ser incomportáveis. Só assim se explica a urgência de Israel em querer parar com os ataques.

O cessar-fogo não vai conduzir a conversações de paz e, por conseguinte, ao fim da guerra. Como afirmou o chefe do Estado-Maior israelita Eyal Zamir “a guerra não acabou — uma nova fase está para vir”, não sem dizer que Gaza continuará a ser a prioridade imediata. Poderão continuar as negociações entre os EUA e o Irão, mas não com Israel, que procurará manter com o Irão um modelo de relações semelhante ao que mantém com o Líbano. Não existirá um acordo de paz formal, mas um entendimento tácito de contenção e uma resposta militar cirúrgica, quando necessário.

Poderemos, pois, encontrar-nos perante uma alteração do modo como Israel fará a guerra no futuro. Em vez de optar por manter um confronto de atrito prolongado, em múltiplas frentes e com custos humanos e políticos elevados, Israel poderá optar por operações cirúrgicas e limitadas no tempo, mas com impacto estratégico. Falamos de golpes de precisão para enfraquecer a capacidade do inimigo, mas sem entrar num conflito total. Manterá a pressão e deterá os avanços do opositor, sem se envolver em guerras convencionais prolongadas.

Falamos de um arranjo funcional e pragmático que permita gerir o conflito sem resolver as suas causas. A situação de guerra não desaparecerá, mas transformar-se-á. Deixará de ser guerra total para se tornar uma gestão permanente e controlada da atrição, como a que se vive no Líbano. Este é o modelo que Israel procurará reproduzir. Nem vitória, nem paz, mas dissuasão e controlo permanente. Simultaneamente, Israel vai manter o equilíbrio de forças na região, evitando tanto a ascensão hegemónica xiita como a sua substituição por forças sunitas radicais.