Em junho, saem sempre umas primícias das contas da ADSE e, sem termos conhecimento oficial dos números, ficamos a olhar para as manchetes e a fazer uns raciocínios a partir dos dados históricos. O título deste ano é “Resultado Líquido da ADSE cai 16% com gastos das autarquias”. Também se destaca que “gastos do regime livre sobem 17% e resultado líquido do exercício cai para 134 milhões de euros, o nível mais baixo em cinco anos”.

Se este é o “copo meio vazio” – que até poderia suscitar alguns alertas – vejamos, então, o “copo a transbordar”: só nos últimos 6 anos a ADSE lucrou 905 milhões de euros e terá assim cerca de 1.400 milhões de euros aplicados no Tesouro. Em anos sucessivos tem lucros sobre as receitas superiores a 16% – não se pode dizer que seja um mau negócio para o Estado.

No entanto, fica claro que a alteração mais substancial da estrutura das contas decorre de uma decisão política, há muito requerida pelas autarquias ao abrigo dos princípios da igualdade e da justiça, para que a despesa dos Beneficiários dos municípios e freguesias tivesse o mesmo financiamento que os restantes “funcionários públicos”.

A parte mais interessante, no entanto, destas notícias prende-se com a evolução da despesa, já que a receita está indexada aos 3,5% da massa salarial. E sobre cobertura que a ADSE proporciona há duas conclusões que qualquer beneficiário da ADSE pode confirmar. Por um lado, há um peso crescente do regime livre dado que o regime convencionado é cada vez mais difícil de encontrar, o que também impacta no valor global dos copagamentos que têm de ser suportados. Por outro lado, a evolução da despesa per capita dá conta que a ADSE não estará a acompanhar a evolução da saúde em Portugal.

Vejamos um gráfico simples da despesa per capita da ADSE com a despesa corrente do SNS dos últimos anos e é fácil concluir que a despesa no SNS subiu muito mais (+44%) do que a que a ADSE paga aos prestadores pelos seus Beneficiários (+15%). Estudos posteriores poderão analisar se esta evolução está justificada por aumentos de eficiência e efeitos dos preços convencionados ou se casos de maior diferenciação não foram cobertos.

 

 

A questão da evolução da despesa per capita que a ADSE assume dos seus Beneficiários é ainda mais emblemática se olharmos para os números reais e não para os valores nominais, tendo em conta os níveis de inflação particularmente significativos em 2022 e 2023 e que também atingiram todos os prestadores (públicos e privados) de saúde. Assim, confrontando a despesa per capita da ADSE de 465,3€ em 2019 com a de 535,5€ em 2024, a ilusão monetária de um crescimento de 15% traduz-se em termos reais numa diminuição de 1%. Vamos repetir: com os dados conhecidos, a despesa real por Beneficiário em 2024 foi inferior à suportada em 2019… apesar do aumento dos custos com o pessoal, medicamentos, dispositivos médicos etc.

Boa gestão, com toda a certeza e não a vamos criticar. Deixamos apenas a nota de que o sucesso das organizações se mede pela sua sustentabilidade e cumprimento da missão. Estes lucros da ADSE pressupõem que os Beneficiários tenham a cobertura que lhes é devida, o que passa por um regime convencionado adequado e por uma rede de prestadores efetiva. O resto é instrumental ou efémero.