“Não tenho sucessor: que o império fique nas mãos de quem de vós se mostrar mais forte”

As palavras de Alexandre Magno no seu leito de morte, 323 AD, que abriram a grande guerra interna que acabou com o maior império da Antiguidade Clássica

 

Paul Allen nasce em Seattle em 1953,  conhece Bill Gates no liceu e juntam-se em 1975 para fundar a Microsoft. Em 2000 Paul Allen sai por doença, vende a sua parte e fica com uma fortuna que aplica em imobiliário, desporto profissional e filantropia. Em 2018 morre deixando um património de 20,3 bio USD … mas não se casou, não teve filhos e por isso gorava-se o potencial início de um império familiar. Mas se não há herdeiros, que destino dar ao seu enorme património?

Nem sempre o modelo tradicional das dinastias familiares que transferem um legado e um património de geração em geração se pode preservar. Num estudo recente, a ARBORIS  identificou dezenas de bilionários em todo o Mundo que não têm descendência como Giorgio Armani (84), Ma Jianrong (62), Wu Yajun (63), David Geffen (75), Mikhail Prokorov (60) ou Alice Walton (80), herdeira da fortuna Walton e tida como a mulher mais rica do mundo. Continuam a correr como aos 30 anos mas no fim da estrada vão ter a mesma questão de Paul Allen: que fazer ao meu património quando morrer?

Normalmente as empresas familiares têm o património concentrado num ativo produtivo e o empresário quer preservar o que construiu ou recebeu. Sem herdeiros, tem pela frente uma reflexão à volta de três grandes questões que, não sendo mutuamente exclusivas, ajudam a estruturar o problema e que é essencial ver uma a uma.

  1. A quem deve caber a futura propriedade do Grupo ?
  2. Como assegurar a competitividade futura do ativo para preservar o legado ?
  3. Que destino para fundos que o acionista venha a receber no processo?

 

  1. A quem deve caber a futura propriedade do ativo ?

A clarificação da propriedade do ativo é a primeira questão a endereçar. Não há alternativa à alienação mas há muitas opções para o fazer. Consolidar em Portugal fortalecendo a indústria nacional com uma empresa maior ou vender a um grupo industrial estrangeiro ? E vender a uma Capital de Risco (Private Equity) ou a um fundo passivo (um Family Office, por exemplo)? E porque não considerar um MBO se a confiança e a ligação à equipa de gestão forem muito fortes? E adotar um herdeiro como no famoso modelo japonês mukoyoshi, um filho adotivo  escolhido para  Presidente e CEO de acordo com as suas competências, que assume o apelido do acionista e que é integrado na família para prosseguir a linhagem através dos seus filhos e netos? Ou porque não uma combinação de opções?

  1. Como influenciar a preservação da vertente emocional do legado?

É natural o empresário preocupar-se com  a preservação do que herdou ou construiu – dos colaboradores e suas famílias, da marca, da comunidade, das próprias relações com clientes ou fornecedores. Naturalmente cabe ao novo dono do ativo tomar as decisões que entender mas podem ser influenciadas pelo empresário, sobretudo se o comprador for um grupo familiar ou um fundo mais passivo ou se houver uma batalha intensa pela aquisição do ativo. Se por outro lado se adotar um herdeiro, ele terá de ter as condições para prosseguir a liderança executiva do legado do empresário ou, tratando-se de um MBO, a equipa executiva envolvida tomará as decisões mas tem sempre em conta a opinião do empresário.

  1. Que destino para fundos que o acionista venha a receber no processo?

Até aqui tratámos do empresário com património concentrado num ativo específico. Mas o problema não acaba com a venda do ativo porque o encaixe, junto com outros valores que o acionista normalmente possui (imobiliário ou posições acionistas não qualificadas em empresas cotadas por exemplo), constitui afinal o património ao qual dar destino. Ao mesmo tempo, estamos a abrir o âmbito desta questão a todos os empresários sem herdeiros que possuam portfolios sem um ativo central. Para uns e outros o problema centra-se acima de tudo nesta terceira questão, mesmo que hajam herdeiros mas o empresário não lhes queira deixar senão uma parte da sua fortuna.

O destino deste património passa por considerar opções mas o âmbito é mais estreito. Constituir uma Fundação filantrópica com missão bem determinada e uma equipa profissional de curadores, como fez J.D. Rockefeller em 1913? Montar um fundo dedicado ao bem estar futuro dos trabalhadores do Grupo e das suas famílias? Canalizar o património para bens sociais emblemáticos com o nome do Fundador – os inúmeros casos de museus e coleções de arte, alas de hospitais, instituições de investigação, escolas, …)? Ou doar os fundos a entidade de solidariedade e ação social? São opções de caráter muitas vezes similar mas com diferenças importantes no objeto da doação dos fundos e no modelo da sua administração .

Tempo de voltar a Paul Allen, o cofundador da Microsoft com que abrimos o texto. Para gerir a fortuna de 20,3 bio USD que deixou a sua irmã criou uma Fundação a que ela própria preside, com um modelo rigoroso de gestão dos ativos. E o testamento de Allen determina condições específicas para liquidação da Fundação com os proveitos canalizados para financiar causas científicas escolhidas por si.

Em conclusão, o empresário sem herdeiros tem diante de si um processo de reflexão que acaba por conduzir a um modelo de doação organizada e profissional do seu património para causas beneméritas que lhes são caras. Esse modelo materializa-se numa Fundação cuja constituição e provisão tem lugar com o empresário ainda em vida – e naturalmente um plano detalhado das suas intenções em testamento. É o fim do legado tradicional de empresa familiar que se apaga como uma vela ao vento … mas a sociedade fica mais rica e o empresário deixa uma memória e um legado de incomparável veneração e imbatível longevidade.