A recente escalada entre Israel e Irão, catalisada pela ação militar direta de Jerusalém com apoio explícito de Washington, lança uma sombra preocupante sobre os alicerces do regime global de não-proliferação nuclear. Ao atacar alvos militares e nucleares iranianos – país que, até aqui, permanece signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) – duas potências armadas com arsenais atômicos sinalizam ao mundo que o compromisso com a contenção é, na melhor das hipóteses, volátil, e, na pior, seletiva.
O que a história recente demonstra é que a posse de armamento nuclear não apenas oferece dissuasão contra ataques externos, como se converteu no único seguro efetivo contra mudanças de regime ou intervenções estrangeiras. O caso líbio é paradigmático: ao abdicar de seu programa nuclear em 2003, Muammar Kadhafi abriu caminho para sua posterior deposição em 2011. Desde aí, regimes sob pressão, como a Coreia do Norte – que consolidou seu programa – ou o Irão – que, até ao momento, evitou a militarização nuclear – passaram a avaliar com renovado ceticismo os apelos à moderação feitos por aqueles que, paradoxalmente, ostentam os maiores arsenais do mundo.
A mensagem para o mundo não poderia ser mais clara: a verdadeira salvaguarda da soberania, no mundo realista e desigual da geopolítica, talvez resida justamente naquilo que o TNP tenta, há muito, impedir.
A erosão deste princípio é ainda mais acentuada pelo duplo padrão europeu. Enquanto o genocídio em curso em Gaza vai sendo progressivamente empurrado para as margens do debate político e diplomático, os olhos das capitais ocidentais voltaram-se com inquietação quase exclusiva para a questão iraniana – que, no momento, representa ameaça muito mais potencial do que concreta. Tal seletividade mina a autoridade moral do Ocidente e reforça a convicção, especialmente no Sul Global, de que as regras da ordem internacional são maleáveis e aplicadas conforme conveniências geoestratégicas.
O resultado? Uma corrida armamentista velada, na qual cada nação sob risco de intervenção externa passará a considerar, com menos remorso e mais pragmatismo, a busca por uma bomba que garanta a sua permanência, autodeterminação e, paradoxalmente, a paz pelo terror.
Netanyahu e Trump lograram jogar o mundo num cenário de instabilidade jamais prevista. A lei do mais forte nem sempre deve imperar. Quando a força é o único instrumento de persuasão, o declínio da potência hegemônica, antes perceptível – agora se torna inexorável.