Como é sabido, o sistema fiscal é um dos principais instrumentos de intervenção do Estado na economia e na sociedade no seu todo, desempenhando funções de correção de assimetrias, de incentivo ou desincentivo na afetação de recursos, de instrumento da política económica e, em particular, na atenuação de desequilíbrios diversos, de natureza mais conjuntural ou para dar resposta a necessidades extraordinárias e não antecipadas.

Igualmente, existe consenso, embora normalmente não aplicado, de que deve ser simples, justo e transparente e facilmente aplicável pelos diversos agentes económicos, nas suas diferentes categorias e responsabilidades, devendo ser facilmente compreendido e aceite na sua utilidade social. Por último, mas não menos importante, o sistema fiscal deve ser reconhecido na sua eficiência e eficácia, na produção de output sistémico, traduzido na promoção de dinamismo económico, desenvolvimento social e maximização do bem-estar geral, neste se incluindo o aumento dos graus de liberdade da escolha individual.

Como qualquer instrumento de administração do Estado, não é intemporal na sua eficiência e eficácia, podendo ajustar-se às necessidades de uma determinada época ou características de uma dada economia e sociedade, mas podendo deixar de o fazer, noutra época ou quando essas características mudam. Esta é, aliás, a base fundamental para evolução das ideias e da teoria sobre o papel e a configuração do sistema fiscal que se vem processando desde a proto-fiscalidade, até aos nossos dias, e mais recentemente com a introdução da dimensão supranacional, internacional e global, das sociedades.

Isto significa que as referências com que pensamos e organizamos o sistema fiscal, não devem ser estáticas nem obedecer a princípios dogmáticos. Mas, pelo contrário, devem evoluir em função das necessidades e objetivos de política económica – entendida na sua aceção mais larga de intervenção do Estado – e, sobretudo, tendo-se presente que os mecanismos de transmissão de políticas públicas podem deixar de atuar com a eficiência e eficácia necessárias à maximização do output sistémico.

No centro desta problemática, encontra-se a ideia, amplamente aceite, de que o sistema fiscal, particularmente no que respeita à tributação dos rendimentos, deve ser progressivo, incidindo de forma mais significativa sobre os rendimentos mais elevados, particularmente a partir de um certo patamar. Uma ideia que pretende ir ao encontro da justiça social que foi, sem qualquer dúvida, um factor de correção das desigualdades sociais e que permitiu inegáveis progressos, em matéria de desenvolvimento económico, mas que nos tempos atuais deve ser compreendida e aplicada à luz de novas referências e de novas realidades.

Em primeiro lugar, em função dos vectores atuais de produção de dinamismo económico, desenvolvimento tecnológico e de inovação, particularmente, no contexto atual de perda geoeconómica e geopolítica da Europa, de necessidade de redução de vulnerabilidades e dependências externas, e de tendências fragmentárias que se manifestam na economia global. Um contexto que toda a discussão que se realizar em Portugal sobre o sistema fiscal, não poderá ignorar e, também, deixar de querer influenciar.

Em segundo lugar – e no contexto dos vectores enunciados – em função de uma mudança de enfoque do objetivo de redistribuição que, sem deixar de olhar para a correção de desigualdades e assimetrias sociais deverá reforçar a componente de estímulo ao dinamismo económico, reconhecendo os agentes económicos, que investem em tecnologia, que inovam, que produzem escala, e que promovem a transformação estrutural da economia portuguesa.

Em terceiro lugar – e como vector particular – em função do reconhecimento do papel estratégico das classes médias, sobretudo aquelas que exercem responsabilidades ligadas às altas qualificações adquiridas, em parte significativa, como produto das próprias políticas públicas de redistribuição, de mobilidade social, de promoção da saúde pública e de educação.