Vivemos tempos turbulentos. Quando parece que atingimos o fundo do poço, os acontecimentos tomam um rumo ainda mais sombrio.
Os últimos desenvolvimentos envolvendo os EUA, Israel e o Irão são especialmente alarmantes. Esta combinação volátil deixa pouco espaço para nuances, particularmente para comunidades como a diáspora judaico-iraniana, apanhada no fogo cruzado de identidades e lealdades.
Deixem-me ser claro desde o início: isto não é uma defesa da República Islâmica do Irão. O regime de Teerão é brutal, autoritário e viola consistentemente os direitos humanos, tanto dentro como fora das suas fronteiras. Mas não é essa a questão que aqui se coloca.
A questão é que mesmo os regimes aos quais nos opomos, mesmo regimes tão repressivos como o do Irão, ainda estão sob a jurisdição e proteção do Direito Internacional. Esta ordem jurídica, por mais frágil e imperfeita que seja, é a única salvaguarda contra o poder descontrolado, a guerra e a espiral de violência. Se permitirmos exceções, com base em alianças, superioridade moral percecionada ou conveniência política, retiramos sentido a essa estrutura.
Tomemos como exemplo as recentes ações de Israel. A alegação de que agiu em defesa preventiva não é suportada pelo direito internacional. De acordo com a Carta das Nações Unidas, se um país não estiver sob ataque armado, não pode invocar o direito à legítima defesa ao abrigo do artigo 51.º. Qualquer força militar utilizada fora desta base jurídica constitui uma violação do artigo 2.º, n.º 4, que proíbe o uso da força nas relações internacionais. Ironicamente, neste momento, a haver um país com argumentos legais para invocar a autodefesa será o Irão, não Israel.
Dualidade de critérios
Isso pode parecer uma provocação, mas não sou só eu que o digo. Especialistas da ONU, incluindo o Relator Especial sobre contraterrorismo e direitos humanos – Ben Saul, afirmaram-no publicamente. E, no entanto, ouvimos as mesmas respostas ensaiadas, inclusive dos governos europeus: “Israel tem o direito de se defender”. Um disco riscado que concede impunidade de facto.
Esta dualidade de critérios não é nova. Durante décadas, Israel gozou de impunidade efetiva contra as consequências das suas ações, protegido pelo apoio político inabalável dos EUA. Enquanto isso, espera-se que países como o Irão, a China ou a Rússia respeitem – e justamente – o direito internacional. Mas por que razão não se exige o mesmo aos aliados do mundo ocidental?
A mais recente escalada entre os EUA e Israel, incluindo os ataques aéreos dos EUA a instalações nucleares iranianas, deveria ter sido evitada. À luz do Direito Internacional, uma ação militar preventiva para impedir um país de adquirir capacidade nuclear é ilegal. O Irão é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e o seu programa nuclear continua sob o escrutínio da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Israel, por sua vez, nunca assinou o TNP e opera o seu programa nuclear sem supervisão. Assim sendo, quem está a violar o quê?
Não podemos fingir que se trata de armas nucleares. Trata-se de poder, controlo e, cada vez mais, do abandono das regras legais e diplomáticas.
E não podemos esquecer os custos humanos. Se esta escalada levar à queda do regime dos aiatolas no Irão, como alguns parecem esperar, quem irá preencher o vazio? A juventude progressista e secular que marchou em memória de Mahsa Amini? Ou o Movimento Verde que emergiu para logo ser violentamente esmagado após as eleições presidenciais iranianas em 2009? Infelizmente, não. O provável vencedor seria a Guarda Revolucionária Iraniana, consolidando ainda mais o seu poder e inaugurando um Estado ainda mais militarizado e repressivo. Como a história já demonstrou, a mudança de regime através da guerra não leva à democracia; leva ao caos, ou pior.
Violar o Direito Internacional… uma vez mais
É absurdo que, poucos dias após as conversações diplomáticas entre a Europa e o Irão terem sido discretamente realizadas em Genebra, os EUA tenham lançado ataques contra instalações nucleares iranianas. Foi uma mudança coordenada ou uma decisão de última hora forçada pela pressão israelita? Quem exatamente está a conduzir a política externa dos EUA neste momento?
Para agravar a situação, os EUA exigiram a «rendição incondicional» do Irão, após bombardear as suas instalações. Como podem as negociações ser genuínas quando são precedidas por uma agressão militar unilateral? Quem estava sentado à mesa das negociações e decidiu iniciar unilateralmente uma campanha de bombardeamentos?
E onde estão as instituições destinadas a salvaguardar a paz internacional? Onde está a ONU? Onde está a União Europeia? Perante tudo isto, a única reação pública de um líder da União foi a da Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, que reiterou que «o Irão não pode ter uma arma nuclear», mas não disse nada sobre a ilegalidade dos ataques.
Ainda mais preocupantes foram as observações anteriores do chanceler alemão Friedrich Merz, que chegou ao ponto de elogiar Israel por fazer o «trabalho sujo» do Ocidente, uma declaração que não só legitima o uso ilegal da força, como também corre o risco de normalizar a impunidade. Mais uma vez, silêncio – ou pior – perante ações ilegais e claras violações do Direito Internacional.
O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, afirmou, por sua vez, que os recentes ataques dos EUA não violaram o Direito Internacional, uma posição que atesta a relutância da comunidade internacional em defender as normas que ela mesma ajudou a criar.
Como judeu iraniano europeu, este conflito deixa-me desamparado politicamente. Não se trata de tomar partido, de escolher um lado entre dois governos – um autoritário e outro cada vez mais autista em resultado da sua impunidade. Trata-se de defender um sistema jurídico global que se aplica a todos ou a ninguém.
As consequências de se abandonar o Direito Internacional não se limitarão ao Médio Oriente. A partir do momento em que aceitamos que alguns Estados estão acima da lei, todo o sistema começa a desmoronar e, com ele, a única esperança real que temos para a paz. Se a Europa continuar a ignorar as violações das normas fundamentais por parte dos seus aliados, corre o risco de corroer as próprias regras nas quais se baseia para a sua própria paz e segurança. Um mundo onde o poder faz a justiça não beneficia ninguém, nem em Teerão, nem em Telavive, nem na Europa.