O setor automóvel — e em particular o segmento do pós-venda — vive, em Portugal, uma fase de crescimento. Desde 2020, o parque automóvel nacional passou de 4,5 para mais de cinco milhões de viaturas ligeiras, impulsionando a procura por serviços de manutenção e reparação. O volume de negócios tem crescido a um ritmo médio de 8% ao ano. Estima-se que o mercado total do pós-venda valha hoje cerca de 3.000 milhões de euros.

Contudo, este crescimento esconde um problema estrutural: a falta de recursos humanos qualificados. E este é, talvez, o maior desafio à sua sustentabilidade.

Muito se tem escrito sobre o impacto da eletrificação no pós-venda. A ideia mais comum é que os veículos elétricos representam uma ameaça direta, pela redução do número de intervenções mecânicas. De facto, exigem novas competências, ferramentas e infraestruturas. Mas importa contextualizar.

Atualmente, apenas 2% do parque automóvel em Portugal é composto por veículos 100% elétricos. E são, na maioria, viaturas com menos de cinco anos, ainda dentro da garantia e concentradas nos canais do pós-venda oficial. Dos cerca de 3.000 milhões de euros gerados por este mercado, 70% pertencem ao pós-venda independente, onde o impacto da eletrificação, por agora, é limitado.

O verdadeiro “ponto de estrangulamento” está na escassez de profissionais especializados. Um problema sentido por empresas de todas as dimensões, que compromete a capacidade de resposta. Num inquérito promovido pela ANECRA, 74% das 253 empresas inquiridas apontaram a falta de mão de obra como o principal constrangimento à atividade.

Este desafio exige resposta em duas frentes. A curto prazo, várias empresas — sobretudo as mais organizadas — estão a recorrer à importação de mão de obra estrangeira, com processos ativos em mercados como o Brasil, Guiné-Bissau ou Colômbia. Mas este é um caminho lento e burocrático, que exige apoio articulado entre Governo e organizações empresariais.

Neste contexto, o Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada — “Via Verde para a Imigração” — poderá ter um papel relevante na agilização deste processo. A nossa Associação, enquanto membro da CCP, uma das confederações signatárias do protocolo, está empenhada na sua concretização prática.

Mais preocupante ainda é o desafio de fundo: a enorme dificuldade do setor em atrair e reter as novas gerações. Durante décadas, não se investiu na valorização da imagem das profissões do pós-venda. O estigma do “mecânico” ou do “chapeiro”, associado a ambientes de trabalho pouco qualificados e a funções mal remuneradas, afastou os jovens — e, em particular, afastou talento.

Vivemos hoje um paradoxo: um setor com procura, potencial e negócio, mas sem pessoas. Resolver este impasse exige visão, estratégia e compromisso. Precisamos de promover o setor junto das escolas, reforçar a formação técnica, acelerar a reconversão profissional e, sobretudo, construir uma nova narrativa em torno das profissões da mobilidade.

A transformação começa pelas pessoas. É por isso que colocamos este desafio no centro da nossa agenda estratégica — porque só com profissionais qualificados será possível construir um setor automóvel forte e competitivo.