Por que razão um cidadão britânico a viver em Lisboa é considerado um “expatriado”, enquanto um cidadão nepalês na mesma cidade é visto como “imigrante”? A resposta não é gramatical, nem técnica: é política, racial e profundamente simbólica.
As palavras que usamos para descrever mobilidade humana não são neutras. Embora tanto “imigrante” como “expatriado” descrevam, em termos simples, alguém que vive fora do seu país de origem, o uso que fazemos de cada termo revela um viés de classe, etnia e poder.
Como argumenta von Koppenfels, investigadora em migrações, há uma “zona cinzenta” onde as categorias de migrante e expatriado se sobrepõem – mas essa sobreposição raramente é reconhecida na prática.
Quando um açoriano foi para o Canadá nos anos 70, não foi tratado como “expat”. Era um imigrante – por vezes, um “tuga” ou algo menos simpático (“pork and cheese”). Hoje, um nepalês que vive em Lisboa e entrega comida de bicicleta também é “imigrante”. Mas quando um sueco se instala no Príncipe Real e abre um café com plantas suspensas e lettering em giz é “expatriado”.
A distinção não é inocente. “Expatriado” encerra em si uma aura de escolha, mobilidade e até um certo glamour. “Imigrante” é quase sempre usado com conotações de necessidade, pobreza, ou mesmo ameaça.
A primeira expressão insinua estatuto. A segunda, submissão. Um “expatriado” é alguém cuja presença se interpreta como oportunidade, não como problema. A linguagem, neste caso, não descreve apenas a realidade: constrói-a.
Quando André Ventura leu uma lista de nomes de alunos numa escola portuguesa, foi o nome Mohammed que lhe saltou aos olhos – não Ian, não Imogène. Isto reflete um preconceito coletivo, que associa certas etnias à “diferença” e outras ao “pertencimento”, mesmo quando ambas estão igualmente fora do seu país de origem.
No fundo, talvez “expatriado” seja a nova palavra para “colonizador”. Um termo usado para suavizar o desconforto de uma presença estrangeira, desde que ela venha com a pele certa, o passaporte certo, o salário certo. Quem se muda de Oslo para Lisboa é um aventureiro global. Quem vem de Dhaka, é um “imigrante”.
E Portugal, enquanto país de emigração histórica, deveria ter uma consciência mais crítica destas distinções. Rimo-nos dos “expats” britânicos no Algarve, mas queremos ser tratados como eles quando vamos para o Luxemburgo.
Enquanto continuarmos a usar palavras diferentes para descrever fenómenos iguais, estaremos a legitimar desigualdades profundas. A justiça social começa também pela linguagem – e pela coragem de a interrogar.