Grândola é hoje um símbolo das contradições do modelo de desenvolvimento em Portugal. Quando os interesses privados se sobrepõem ao bem comum, quem protege o território? Este não é apenas um conflito ambiental, é um teste à democracia territorial.

O concelho de Grândola está a tornar-se num quadro inquietante do que corre mal no modelo de desenvolvimento em Portugal. Neste território onde convergem interesses mineiros, turísticos e agrícolas intensivos, multiplicam-se sinais de esgotamento ambiental e desigualdade no acesso aos recursos naturais. O que poderia ser um exemplo de planeamento sustentável é hoje uma encruzilhada crítica entre crescimento económico imediato e degradação ecológica irreversível.

A mais recente proposta da mina da Lagoa Salgada, no interior da Serra de Grândola, é sintomática. O Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa promotora reconhece riscos elevados para os ecossistemas e os recursos hídricos, mas minimiza os efeitos cumulativos sobre uma paisagem já marcada por pressões consideráveis. A mina extrairá milhares de toneladas de metais ao longo de 11 anos, consumindo quase 900 litros de água subterrânea por dia numa região semiárida com aquíferos em stress, e onde a seca deixou de ser exceção. E se faltar água? Não há plano B. Pior, o uso de reagentes tóxicos ameaça contaminar aquíferos de que dependem populações e ecossistemas. Tudo isto para quê? Para alimentar cadeias de valor globais que pouco deixam no território.

No litoral, a história não é mais animadora. Entre Melides e Comporta, o acesso a praias públicas foi progressivamente vedado com cancelas, barreiras e guardas privados. O que a lei garante, o livre acesso à faixa costeira, a prática, desmente. A paisagem transforma-se em propriedade, o lazer em privilégio. Perde-se o território como espaço coletivo, cultural, afetivo. A costa, esse bem comum, está a ser loteada em silêncio.

Este modelo, assente na maximização do valor económico de curto prazo, tem ainda implicações mais profundas. A urbanização acelerada da faixa costeira, ignora riscos crescentes como a erosão costeira, a subida do nível do mar e a pressão sobre os ecossistemas dunares e aquíferos. Continuar a aprovar projetos de grande escala sem instrumentos robustos de avaliação ambiental estratégica é um erro com custos que só se tornarão plenamente visíveis nas próximas décadas.

Mas talvez o mais chocante nem seja a dimensão dos projetos. É a pobreza do argumento. Dizem-nos que o crescimento económico justifica tudo. Que os empreendimentos criam riqueza e postos de trabalho. Mas qual riqueza? E para quem? A maioria dos investimentos é detida por fundos ou promotores externos. Os empregos são temporários, mal pagos e escassos. A pressão sobre a habitação torna-se insuportável para quem lá vive. E em contrapartida, os custos, hídricos, ecológicos, sociais ficam, esses sim, todos cá.

Numa altura em que tanto se fala de transição ecológica, seria tempo de levar a sério o que ela implica nos territórios concretos. Grândola não precisa de mais betão, minas ou campos de golfe. Precisa de coragem política. De instituições que saibam dizer não. De cidadania ativa. Porque não se trata apenas de salvar uma serra, uma praia ou um aquífero. Trata-se de decidir se o território ainda nos pertence.