O permanente estado de campanha no último ano e meio em Portugal, com três atos eleitorais e um quarto e quinto a caminho, veio contribuir para um estado da nação que dificilmente irá permitir umas eleições autárquicas serenas e informadas a 12 de outubro.
Pelo contrário, a política local parece estar empenhada em refletir o ambiente nacional crispado em que vivemos.
Assistimos ao populismo desbragado, às inaugurações em catadupa, ao número anormalmente elevado de feiras, festas e inaugurações que antecedem o ato eleitoral e nem falta a tradição das grandes obras iniciadas a meses do final do mandato.
Se fosse “só” isso, não estaria tão pessimista. Mas os tempos são outros e os desafios que grande parte dos autarcas enfrenta são de uma dimensão que os ultrapassa. A falta de soluções concretas e eficazes para a grave crise habitacional em Portugal confronta-nos com consequências terríveis: as habitações ilegais precárias proliferam face à impossibilidade de uma parte da população extremamente vulnerável suportar os custos das casas.
Em Loures, no bairro do Talude Militar, assistimos na última semana à desumanização da autarquia que avançou com a demolição de barracas, determinada a expulsar famílias e a colocá-las em situação de sem-abrigo.
O que aconteceu ao sentimento que imperava na década de 90, em que se celebrava o fim das habitações precárias com a construção de casas municipais?
O mais preocupante é que não estamos a falar de um qualquer partido de extrema-direita, mas sim do Partido Socialista, que lidera o executivo em Loures. Ou seja, as narrativas populistas alastram e contaminam a direita e o centro, tornando a nossa sociedade mais extremada, insensível e retrógrada perante o sofrimento.
A Comissão Europeia quer apresentar, em 2026, uma estratégia para resolver o problema da habitação acessível, numa reação tardia, face ao ponto de rutura habitacional em que encontram muitas cidades europeias. Os danos são vastos e ameaçam a sustentabilidade das nossas comunidades.
Nestas eleições de 12 de outubro, não faltarão frentes unidas, tanto à esquerda como à direita, em múltiplos municípios. Se por um lado existe um medo palpável de um retrocesso tão grande que leve à perda de direitos, por outro, muitos já assumem isso como uma realidade inevitável. É difícil prever o que aí vem, mas estamos num perigoso ponto de viragem, pois irá decidir como iremos viver nas próximas décadas.