Para a tribo da inovação, o início do verão traz-nos, ano após ano, um ritual relevante: o relatório anual da BCG sobre o estado da inovação nas empresas. A edição de 2025 (que tem o título “In Disruptive Times, the Resilient Win”) é especial porque faz uma análise retrospetiva dos últimos 20 anos de relatório. Mas é mais especial ainda porque nos permite tirar algumas conclusões porventura desconcertantes.

De todas, na minha opinião, a mais controversa e relevante é esta: não existe uma correlação clara entre o volume de investimento em I&D e o retorno para o acionista.

Por outras palavras, as empresas estão a gastar cada vez mais em inovação (muitas vezes com orgulho e visibilidade), mas nem por isso estão a criar mais valor. Ainda que consigamos encontrar alguns estudos científicos robustos, especialmente em setores específicos, que parecem contradizer esta ideia, a verdade é que mesmo nesses estudos se admite que o forte impacto não se deve apenas à despesa, mas à capacidade de gerir o risco associado à inovação

Mas voltando ao relatório da BCG, a coisa fica ainda um pouco pior: a “prontidão para inovar” (medida através de um índice próprio da consultora) caiu de 20 %, em 2021, para apenas 3 % em 2024. Um paradoxo desconfortável: mais investimento, menos preparação.

É um facto que as empresas precisam de assegurar crescimento rentável e retorno para o acionista e, nesse contexto, a inovação tem sido, de forma consistente, uma das principais prioridades estratégicas reveladas nos sucessivos relatórios ao longo das últimas duas décadas.

De acordo com a BCG, a maioria das empresas tem considerado a inovação, ano após ano, uma das três principais prioridades, registando apenas pequenas oscilações mesmo perante choques económicos significativos, como a Grande Recessão ou o início da pandemia de Covid-19. Ou seja, durante décadas associámos ambição a investimento e investimento a percentagens: 3 %, 4 %, 5 % da receita investida em inovação (é só escolher!). Essa métrica, confortável, continua presente em relatórios anuais e apresentações a acionistas. Mas é, cada vez mais, um falso sinal de progresso.

Não me interpretem mal: preferirei sempre um orçamento substancial a um orçamento marginal. Mas, na verdade, a inovação não falha por falta de dinheiro. Falha por falta de critério. Falha por excesso de iniciativas sem foco. Falha por falta de coragem para cancelar ideias que não demonstram tração. Falha por processos de decisão lentos, por comités que se reúnem tarde demais, por portefólios que ninguém governa verdadeiramente. A própria BCG sublinha que as empresas mais bem-sucedidas não são as que mais investem, mas sim as que gerem a inovação como um portefólio dinâmico, com capacidade para avançar rapidamente com o que funciona e travar, com igual rapidez, o que não resulta.

Medir melhor. Decidir mais rapidamente.

Quem já participou em reuniões de negociação sobre orçamentos de inovação conhece a pergunta de sempre: “Quanto vamos investir em inovação no próximo ano?”. E lá começamos a luta do costume com a/o CFO. Mas talvez devêssemos começar por outras perguntas:

  • A nossa estratégia de inovação está alinhada com a ambição estratégica da empresa… ou é uma lista de iniciativas soltas?
  • Estamos a tomar decisões com base em dados reais de tração e aprendizagem… ou com base em expectativas e narrativas internas?
  • Quantos projetos conseguimos cancelar a tempo de evitar desperdício?
  • Quanto tempo demoramos a testar uma ideia junto de clientes reais?
  • Quanto do investimento inicial conseguimos realocar quando as circunstâncias mudam?

Estas perguntas obrigam-nos a reiterar a importância de se medir melhor a inovação. Na semana passada, no Innovation Circle da Nova SBE, tivemos a oportunidade de organizar um workshop sobre métricas de inovação com Dan Toma, coautor de livros como “The Innovation Accounting” e “The Corporate Startup”. Passámos uma manhã a olhar para métricas diferentes, menos centradas no volume e mais focadas na velocidade, na aprendizagem e na capacidade de decisão. E, por isso, falámos também sobre a obrigatoriedade de criar mecanismos de governação, mais ágeis, mais eficientes: comités que se reúnem todos os meses, equipas com poder para dizer “não”, painéis de controlo que não se limitam a contar euros, mas que revelam progresso real.

Menos é mais. E mais ágil.

Da leitura do relatório da BCG (neste tema específico) e do workshop e conversas com o Dan Toma, retiro seis ideias fundamentais:

  1. Ligar o portefólio de inovação à estratégia da empresa (com critérios explícitos de alinhamento): é preciso definir filtros estratégicos (ex.: “contribui para novas receitas?”, “reduz dependência de produto core?”, “abre caminho a novas geografias?”) para selecionar projetos. Esta disciplina assegura que os recursos sejam alocados a iniciativas que servem a ambição de longo prazo e não apenas ideias interessantes.
  2. Clarificar papéis e poderes no modelo de ‘governance’ da inovação: criar um modelo de governação com níveis distintos de decisão: quem aprova, quem acompanha, quem pode travar, e quem escala. Evitar que todas as decisões dependam da comissão executiva. Um “design organizacional leve” acelera a inovação sem comprometer o controlo.
  3. Exigir evidência de tração antes de escalar qualquer iniciativa: instituir práticas de decisão baseadas em dados e não apenas no know-how e experiência passada: com mais informação de mercado, e não apenas suportadas em relatórios internos. Nenhum projeto deve avançar para fases seguintes sem sinais tangíveis: clientes reais, validação técnica em contexto, ou resultados mensuráveis.
  4. Tornar visível a velocidade de validação: medir o tempo médio entre ideia e primeiro teste em ambiente real. Se o ciclo demorar mais de três meses, o sistema está lento demais.
  5. Institucionalizar a decisão de matar projetos: criar um comité pequeno, ágil, com poderes delegados, que revê o portefólio mensalmente e cancela o que não cumpre. Cancelar cedo não é sinal de fracasso, é sinal de maturidade.
  6. Controlar a redistribuição de capital: avaliar com que frequência o investimento em inovação muda de projeto ou de área. Empresas que deslocam mais de 50 % do seu CAPEX de inovação num biénio têm, em média, melhor desempenho financeiro. A flexibilidade é a nova vantagem.

A verdade é simples: inovar custa. Mas desperdiçar custa muito mais. E enquanto as empresas continuarem a confundir orçamento com impacto, continuarão vulneráveis. Mesmo quando parecem estar a fazer tudo certo.

Nas empresas portuguesas, em particular, não vamos (de certeza) ganhar a corrida global pelo maior orçamento de inovação. Mas podemos, e devemos, ganhar na agilidade, no foco, na capacidade de testar e ajustar com inteligência. Isso exige métricas mais duras, decisões mais frequentes e coragem para mudar de ideia. Porque o futuro não se compra com dinheiro. Constrói-se com escolhas.