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Taxistas exigem verbas do Estado para ‘app’ digital

Secretário do Estado do Ambiente prometeu 100 mil euros do Estado para apoiar a nova ‘app’ dos táxis, a Izzy Move. Em entrevista, o presidente da Antral diz que “é uma gota de água” e quer mais.
12 Maio 2019, 18h00

Depois de grande pressão com a entrada no mercado das plataformas TVDE, com a Uber à cabeça, o setor do táxi entrou esta semana na era digital, com a apresentação da aplicação móvel Izzy Move. Em entrevista, Florêncio de Almeida, presidente da Antral, que diz representar 80% do setor, está confiante nas vantagens desta app para os taxistas poderem recuperar as perdas de receitas que nos últimos anos poderão ter oscilado entre os 30% e os 45%. A divulgação da aplicação já tem dinheiro prometido – 100 mil euros – de um fundo estatal e Florêncio exige mais verbas no âmbito do Programa 2020. O presidente da Antral continua a criticar o comportamento das plataformas TVDE e exige mais legislação e fiscalização.

O que é que a Antral representa no setor do táxi?

A Antral representa 80% do setor do táxi em Portugal. Depois há a Federação Portuguesa do Táxi, que representa cerca de 15%. Mas há quem não esteja integrado em qualquer associação, que mais ou menos representam os restantes 5%. Há mais de cem anos que os táxis existem, mas com o aparecimento das plataformas TVDE [Transporte por Veículo Descaracterizado] o setor está a sofrer um decréscimo.

Como se quantifica essa queda?

A rendibilidade, a receita, do táxi deve ter diminuído entre 30% e 45%.

Qual é a média de passageiros transportados anualmentepelo setor do táxi?

Esse dado não é fácil de quantificar, porque nem todos os locais e a quantidade dos serviços que se prestam são iguais. Na província é uma realidade, em Lisboa, Porto e Coimbra há outras realidades. Normalmente, nos grandes centros urbanos, por exemplo em Lisboa, os táxis fazem entre dez e 15 serviços por cada turno. Mas, na província, esse cálculo não se faz, pelos diferentes tipos de serviços de táxi que existem.

O que é que essa quebra representa em termos absolutos?

Se calhar, na ordem dos milhões de euros, mas não tenho ideia do valor exato porque as contas não estão feitas.

Quantos táxis existem no país?

No país, há cerca de 13 mil.

Como é que surgiu a ‘app’ Izzy Move, apresentada esta semana pela Antral?

A Izzy Move arrancou o ano passado, em agosto. Esta tecnologia já existia em Portugal há dois anos e era detida pela Antral. A Izzy Move foi criada há um ano. Quem começou este software em Portugal foi a CNTD – Central Nacional de Táxi Digital, que é uma empresa detida a 100% pela Antral.

A tal quebra pode ser recuperada nos próximos anos, com ajuda da ‘app’ Izzy Move?

O objetivo dessa aplicação é esse mesmo. Se assim não fosse, não valia a pena estarmos a investir dinheiro. Um investimento que já vai em 400 mil euros desde que há cerca de um ano começou a ser desenvolvida. Trata-se de uma tecnologia que já estava desenvolvida no Brasil, mas em Portugal queremos que as centrais de rádio continuem a operar com os seus call centers – e para isso foi necessário adaptá-los a esta nova tecnologia. É que estes call centers vão trabalhar integrados nessa aplicação.

Qual é a adesão atual à ‘app’?

Neste momento, estão integradas as centrais da Rádio Táxis de Lisboa, a do Alto da Barra de Oeiras, a Invicta do Porto e a Rádio Táxis do Barreiro – cuja integração está praticamente concluída. Depois, temos outras centrais que vão entrar já mas só vão trabalhar com a app, como a Rádio Táxis de Portimão, a AutoCoop de Albufeira, a Rádio Táxi do Seixal, da Amadora… Em quase todo país há adesões à app.

A Antral controla o projeto?

A Antral está a conduzir e a promover este projeto, mas o objetivo é sair no futuro, passando o seu controlo para uma entidade que irá ser constituída. Há um memorando de entendimento entre todas as centrais de rádio para que seja idealizado o melhor processo para gerir esta app. É que a Antral é mais política e institucional e, por isso, não queremos estar dentro da distribuição de serviços.

Quem ficará a gerir a Izzy Move será uma entidade que representa as empresas do setor?

Exatamente. Será criado um conselho consultivo e deliberativo nesse sentido, que irá decidir qual o tipo de empresa a criar e a gerir, dentro de dois anos.

Neste momento qual é o universo de táxis integrados na Izzy Move?

São cerca de três mil.

Para manter e alargar o financiamento dessa aplicação, quanto é que pensa que será o custo operacional num ano?

O lançamento de uma aplicação móvel custa milhões e não temos dinheiro para isso. Agora já não vai ser tanto.

Mas falou em milhões…

Isso é na promoção. O software está feito. Agora, é divulgar para o utente, que precisa de saber quais são as soluções e isto não é fácil chegar a todos se não houver publicidade.

Qual é a solução para esse investimento necessário?

Temos de procurar. O secretário de Estado [do Ambiente] prometeu 100 mil euros. Isso é uma gota de água para aquilo que vamos fazer.

Esse dinheiro vem de onde?

É de um fundo para a monitorização dos transportes.

A Antral espera que existam mais apoios financeiros por parte desse fundo ou do Ministério do Ambiente para promover esta aplicação?

Naturalmente!

Tem algum valor em cima da mesa?

Tem que ser feito um projeto que parece que vai recair sobre o Programa 2020. Já tivemos uma reunião no IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes] e agora terá que haver uma empresa que vai contabilizar os custos.

Não há ainda orçamento feito?

Ainda não.

Os 100 mil euros já entraram?

Não, e anda não sabemos quando vão entrar. Estão prometidos.

Como será feita a promoção?

O que estamos a fazer agora é colocar publicidade nos comboios. Vamos também fazer publicidade para pôr nas portas dos táxis e nas redes sociais, com pequenos filmes de divulgação, é por aí que temos de partir.

Os 100 mil euros que o secretário de Estado prometeu são para quê?

Se calhar, para nos ajudar a pagar o pequeno investimento que já foi feito e esta pequena publicidade que vamos fazer.

Com a Izzy Move deixou de existir a Taxi Digital?

Não. A Taxi Digital é uma central como outra qualquer. A Izzy Move é a instituição e a Taxi Digital é a detentora do software da app. A patente está registada em nome da CNTD, simplesmente a Antral está a transferir a patente para a própria Antral.

A Izzy Move tem a vantagem de o táxi poder andar no corredor ‘bus’ e permite ao cliente classificar a viatura, o motorista , o serviço, coisa que até agora não era viável, sendo uma das críticas apontadas pela concorrência das plataformas TVDE. Como é que comenta estas duas valências do serviço Izzy Move?

São muito importantes. As instituições vão ter a possibilidade de suspender esse próprio motorista, o que até aqui não era viável. A Antral não tem poderes punitivos. Eles, estando a entrar por uma central, a própria central vai dar depois dar o sinal para ele sair do serviço [se for bloqueado]. Ou seja, eu, como taxista, sou penalizado, seja 15 dias ou um mês, e durante esse tempo não posso fazer o serviço. É um prejuízo. Os motoristas vão ter mais atenção e atender o cliente. Depois, os 80 cêntimos do pagamento de chamada também vão acabar.

E a taxa que é cobrada ao motorista neste momento na ‘app’ Izzy Move, de 40 cêntimos, é para manter?

Essa é para manter. É para a sustentabilidade e desenvolvimento do software, e isso é para ficar. Não vai ser alterado, mas depende da adesão que houver.

Existe alguma meta que gostasse de ver concretizada a nível de adesões desta app?

Estou convencido de que a maior parte do setor vai aderir a esta app. Nos grandes centros não será tanto assim, porque temos simpatias para o outro lado. É o caso da Rádio Táxi do Porto e da Teletáxis e da Autocoope. Esses não vêm com toda a certeza. A Teletáxis ainda é capaz de vir, agora a Autocoope e a Rádio Táxi nunca virão porque, politicamente, estão agregadas ao partido [PCP] e não é muito viável. Agora, tudo o que sejam cidades fora dos grandes centros, tenho a certeza de que virão para este sistema.

Mas que expetativa tem com esta nova plataforma de vir a recuperar o que perdeu no setor?

Não entraríamos num processo desta natureza se não quiséssemos recuperar o espaço que perdemos. Nós entendemos que temos todas as possibilidades de recuperar aquilo que se perdeu e, se calhar, conseguir mais do que tínhamos antes.

Até há quatro anos, éramos bons profissionais. Hoje chamam-nos porcos, nojentos, ladrões. Chamam-nos de tudo, mas porque alguém quis e teve interesse em denegrir a nossa imagem. Mas essa imagem criada já está a desaparecer.

Mas a entrada das novas plataformas, como a Uber, Cabify, Taxify (Bolt), Chauffeur Privé (Kapten) ou Its My Ride, não trouxe vantagens ao nível da melhoria do serviço de táxi ao cliente?

Teve. Mas não foi só porque apareceram novas plataformas. Temos de perceber que tem vindo muita gente jovem para este setor. As mentalidades são outras. A formação é outra. E tudo isso contribuiu para uma melhoria significativa no setor, e também a substituição das viaturas. A faixa etária dos motoristas aqui há cinco anos era de 50, 60 anos. A média ronda hoje os 40, 50 anos. O táxi melhorou e acredito que ainda vai melhorar mais.

Como tem a Antral encarado essas acusações das TVDE?

No Portal da Queixa, desde 2009, os táxis têm 300 queixas em todo o país. A Uber, nos últimos três anos, tem 390 queixas. É ir ao Portal da Queixa e verem o que lá existe. O nosso setor continua a prestar um bom serviço, simplesmente há interesse em denegrir-nos – e como têm dinheiro, conseguiram fazer algo. Mas nós é que somos os profissionais, não somos genéricos. Genéricos são os que apareceram. O táxi não vai desaparecer. Há muitas coisas a fazer e temos de evoluir – eu tenho consciência disso.

Espera, por isso, recuperar o espaço perdido e vir a ganhar quota de mercado e receitas. Em quantos anos é que pensa que isso será possível?

Não depende apenas da indústria. Depende também do poder político, que tem uma palavra muito importante nesta questão. A legislação do táxi é de 1998 e já se encontra mais do que ultrapassada, pelo que está na altura ideal de haver uma alteração ao desenvolvimento e à forma como está organizado o setor do táxi.

Há já uma grande abertura da parte da tutela em negociar e conversar com a indústria para atingir esse objetivo, mas nesta legislatura já não será possível fazer alterações. Mas estou convencido que na próxima legislatura – até porque todos os partidos têm essa sensibilidade – esse objetivo será possível.

Isto é o quê, uma nova legislação para o setor do táxi?

As sociedades vão evoluindo e o táxi também tem que acompanhar essa evolução. Não é possível que um táxi vá hoje a Cascais levar um passageiro e tenha que vir vazio para Lisboa. É mais poluição, é um prejuízo para o passageiro que paga o retorno quando o táxi fica lá à espera. Ou seja, a estrutura do sistema tarifário e a legislação é que tem de o permitir – nós defendemos contingentes intermunicipais.

Isto é, hoje existe um contingente na Câmara Municipal de Lisboa, outro na de Oeiras e outro na de Cascais… A solução seria juntar todos num único contingente para a área da Grande Lisboa. Aliás, nós não estamos a inventar nada – vamos a Madrid e vemos que trabalham 39 concelhos neste sistema e em Barcelona trabalham 42, e é assim em todas as grandes cidades da Europa.

Essa aspiração da Antral será bem encaminhada pelo próximo Governo?

Eu penso que sim. O próprio PSD apresentou uma proposta na Assembleia da República que acabou por ser vetada – também era uma loucura liberalizar o setor do táxi. Qualquer dia tínhamos táxis do Alentejo em Lisboa e lá não haveria táxi nenhum. Tem de haver uma grande reorganização de todo o setor.

Eu sei que vamos ter uma enorme resistência dos industriais de táxi e o senhor ministro do Ambiente já sabe isso e já veio dizer publicamente que concorda com o alargamento dos contingentes.

Mas já há uma proposta concreta nesse sentido da Antral?

Há. Nós defendemos contingentes intermunicipais, mas não dizemos que concelhos têm de ceder vagas. Isto depende da Associação Nacional de Municípios, em que eles também têm de abrir mão do poder que têm.

A Antral considera essas alterações e a app as duas coisas fundamentais para recuperar o terreno perdido nos últimos anos?

Não é só isso. O nosso interesse é servir bem e cada vez melhor o público e com menos custos. Se eu for de Lisboa para Cascais, o passageiro beneficia porque paga menos, mas eu posso também ficar a ganhar se puder apanhar lá outro passageiro à volta para Lisboa – não acumulo quilómetros em vazio, ando sempre ocupado e a fazer dinheiro. E é o cliente quem mais beneficia.

A Izzy Move é uma ferramenta para que o cliente tenha um táxi mais rápido e mais perto de si e que possa controlar o seu próprio transporte. Eu chamo pela app um táxi, sei onde ele está, sei qual é o caminho que ele está a seguir, sei quem é o motorista. Se por algum motivo não gostar do serviço, posso bloquear o taxista em questão.

E que mais há a melhorar?

O profissionalismo. Há módulos na formação do motorista de táxi que não se conjugam com o exercício da sua atividade. Para ser taxista precisamos apenas de três ou quatro módulos de formação – não mais que isto. Para se ser um bom motorista de táxi é necessário ser um bom relações públicas, para gerir todos os conflitos que possam aparecer, ser bom condutor e cuidadoso com o seu asseio pessoal e da viatura. Assim é-se um bom motorista que presta um bom serviço.

Qual é a percentagem de profissionais que estão no terreno que não cumprem esses requisitos?

É difícil de calcular.

A legislação que foi criada para as TVDE falha?

Lutei sempre contra as plataformas até ao dia em que elas foram legalizadas. Agora, tudo o que é legal é permitido. Só temos é de levar com eles e lutar, mas com outras armas. Agora, não há dúvida que qualquer lei não é perfeita. Naturalmente que a lei da TVDE terá de ter alterações – e muito brevemente. Eles terão de ter outros condicionalismos – fazem acordos com os hotéis, se for para o aeroporto mais de 50% recebe em dinheiro – no nosso país o problema é a falta de fiscalização.

Mas há propostas para melhorar as lacunas na legislação?

Não somos nós que propomos, mas pedimos ao Governo armas iguais às deles [plataformas TVDE]. É que o táxi nunca vai ter uma concorrência leal: eles têm tarifas dinâmicas – nós não temos -, eles podem adequar o desenvolvimento do seu negócio conforme a música que toca – nós não podemos.

Por exemplo, eu não posso alterar o meu preço, mas eles alteram com aumentos de 300% e 400%.

O Governo diz que temos benefícios, mas quais são? O táxi anda no corredor do autocarro para beneficiar o cliente e não o industrial. Redução de 70% do ISV? Neste momento, os carros pouco ou nada pagam de ISV. Emissões de CO2? Hoje já nem podemos comprar carros que emitam mais de 160 [gramas de] CO2.

Artigo publicado na edição nº 1986, de 26 de abril, do Jornal Económico

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